segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Tropa

“A Sorte Protege os Audazes”, dizem os Comandos, ancorados na audácia de andarem sempre em manadas Foxtrot Alfa Cambio Over and Out, e armados até às pontas das tatuagens de G3’s e outras bijutarias como facas de mato e corta unhas, não vá uma unha de gel encravar a meio da selva de Monsanto e jogar pela lama toda a audácia da rapaziada. Há também aqueles que não descuram um bom aprovisionamento de graxa castanha, utilizada comummente pelos valentes loiros para disfarçarem esse evidente carimbo de pouco desenvolvimento intelectual. Esta medida é apoiada por muitos oficiais quando em combate, pois o inimigo tem sempre tendência a alvejar primeiro os morenos e deixar os loiros para o fim. É o que se chama “decapitar intelectualmente o inimigo”. A cor de graxa preferida é o Light Ash Brown. Apenas porque condiz com a farda.

Por audacioso entenda-se um corajoso, um valente, um temeroso, pelo que por vezes, ser audaz também implica uma interpretação sui generis do Dicionário da Língua portuguesa da Porto Editora, ou outro qualquer, se bem que eu prefira um qualquer outro pois o primeiro, tendo em conta ser do Porto, certamente vem dactilografado com os “B’s” e “V’s” trocados. Imagino que o que fez saltar a tampa ao Amílcar Cabral foi o “monstro colonizador” se ter referido ao país dele como “Cavo Berde”. Dizem as más linguas que, como vingança, o pobre do Amílcar sempre se referiu ao Salazar como o “Líder dos Homens Vrancos” e isso custou-lhe a vida em mais uma muito honrosa e honesta cilada montada pela PIDE. Era gente de grande aprumo e honradez, como daquela vez em que limparam o sarampo a 7 jovens arruaceiros que colocaram em causa a dita honra dos honrados, apenas porque não viram com bons olhos que a matilha pidesca escondesse cartas na manga durante uma jogatana de poker. Preocupados com os problemas de visão dos rapazes, os honrados puseram-nos num sítio onde não teriam que puxar muito pelas retinas, dentro de caixas de madeira de pinho, bem tratada e envernizada, com 2 metros da mais produtiva terra, onde anos mais tarde cresceram viçosas alfaces e abóboras dignas do Entroncamento. Diz-se ainda que o pavor do Sr. Amilcar à palavra “Berde” é que levou a que a sigla do seu partido terminasse no “C” e não no “V” como se impunha, pois esta refere-se a Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo…… Verde!!

Estas e outras coisas vêm-me sempre à cabeça quando me lembro do dia em que me foram buscar a casa para me apresentar ao Serviço Militar. Refira-se que uma das “outras coisas” que me vêm à cabeça é a mão da minha imaculada esposa, que é rapariga pouco dada a nostalgias militares, visto ter perdido um ente querido durante a Guerra do Ultramar. Um tio dela, após uma noite bem regada a carrascão tinto, caiu do carro de bestas e aterrou com o nariz num porco-espinho. Ficou com pêlos a mais nas narinas e esvaiu-se de muco nasal. Foi morte imediata e se é verdade que isto se passou na Serra do Caldeirão, não é menos verdade que foi no Verão de 1970, quando em terras de Eusébio da Silva Ferreira o exército português colocava em marcha a Operação Nó Górdio nas planícies de Gungunhana. Para a minha excelsa esposa ficou como um Trauma de Guerra. Para mim como uma fonte inesgotável de belinhas na testa.

Bom, mas se há dia que eu não esqueço é aquela tarde em que eu estava a mudar a jante ao meu pneu do carrinho de mão quando a minha mãe me sussurrou baixinho “ÓOOOHHH TINO!!! Estão aqui 2 pessoas para falar contigo”. E estavam, eram o Minervino e o Tamagnini que mal me viram, afiambraram-me tal calduço no cachaço que me racharam a omoplata esquerda. De bónus ganhei 1 mês de cama e 2 gotas nos ouvidos de 3 em 3 horas, porque afeminei loucamente antes, durante e depois do grito de dor do osso a rachar e ainda hoje sinto um leve zumbido no ouvido. E para ser sincero, recordo melhor este dia do que aquele em que me fiz à estrada, a caminho da vida adulta, com uma trouxa às costas e dois trouxas camuflados de cara pintada e ramas de silvas no capacete a agarrarem-me pelos braços. Sei que eram silvas porque no percurso casa - unimog não foram poucas as vezes que temi que me tivessem vazado o olho.

Confesso que estava em falta com exército, não era por mal, apenas aborrecimento, mas já sabia que eles iam ser pouco compreensivos para comigo. Era gente pouco dada a sensibilidade e eu percebia, quando se toma muitas vezes banho nu junto a outros homens o mínimo deslize sentimental pode ser fetal e não, quando escrevo fetal não é erro dactilográfico, apenas serve para explicar que numa situação de deslize o pobre soldado raso pode vir a acordar no meio do balneário em posição fetal e sem forças para se levantar.

Por tudo isto não foi grande surpresa para mim quando dei por mim a correr pelo bosque a fora com 2 gorilas armados à ilharga, enquanto a minha mãe lhes dirigia impropérios num, diga-se de passagem, muito apurado calão. Lembro-me vagamente de ouvir 3 dardos tranquilizantes zunirem-me ao ouvido o Hino à Alegria de Beethoven, mas muito sinceramente, apanharam-me numa altura má. Recordo-me de achar patético o facto dos impropérios saídos da boca da minha mãe serem no singular quando os meus perseguidores eram dois, mas fez-se luz na minha cabeça quando ela me laçou à corda e me agarrou de cernelha. Eram dirigidos a mim. Apesar de ainda hoje ter a impressão digital do polegar direito dela cravado na minha maça de Adão, já lhe perdoei.

Levado para o quartel, logo me apresentei ao Sargento. Quando instado a falar logo me declarei “Opressor de Incontinência”. Eu já vos disse que tenho um certo grau de dislexia? Mas desta vez eles foram compreensivos comigo e alistaram-me no Pelotão Lima, fiquei a aguardar execução de pena por ter espirrado de frente para o Sargento sem colocar a mão na boca e mandaram-me juntar aos meus camaradas. Chegado à caserna meteram-me uma piaçaba nas mãos e fiquei de serviço à latrina. Pelotão Lima era o da limpeza. Felizmente no dia seguinte chegaram as novas máscaras químicas que foram bastante úteis para me proteger do sulfato de metano que já encarquilhava os meus pulmões e ameaçava destroçar-me o intestino delgado, que o grosso resistia hoje e sempre ao invasor.

Como a justiça pode tardar mas chega, 2 dias mais tarde fui informado da minha pena. Fui condenado a enfrentar um pelotão de fuzilamento que me bombardeou com bolas de naftalina, até porque lá na tropa nunca entenderam bem o porquê de eu dizer que estava “cá com uma traça”. O que podia ter sido uma pena de extrema violência, revelou-se para mim de grande beneplácito, pois graças a esta, pude concorrer para a Guarda do Presidente da República e cumpri o resto da minha comissão de serviço no Exército Português a trabalhar no guarda-fatos do Sr. General Ramalho Eanes a afastar traças da sua farda. Ainda hoje quando o vejo todo bem aprumado na televisão sinto que há algo de mim naquela goma.

Dizem que há duas coisas que marcam indelevelmente um homem: o primeiro golo que se vê ao vivo do Benfica e o Serviço Militar Obrigatório. Nada poderia ser mais verdadeiro e se há coisas que andam sempre na minha cabeça é o Vata a marcar um golo em Portimão e as traças que ainda hoje esticam o pernil à minha passagem. Pronto só aquelas que fumam, pois têm os pulmões mais fracos.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Telefone

O ligeiro desentendimento conjugal já durava há tanto tempo que em anos caninos já deveria ser mais idoso que o avô do Fernando Pessa, e apesar de ainda só ter motivado dois internamentos hospitalares da minha parte por ingestão abusiva de trufas, que era o som que a minha mais que tudo fazia quando encostava docilmente o seu punho naquele espaço confinado entre o lábio superior e o nariz, vulgarmente denominado por bigodame, continuava a ensombrar a vida do nosso doce lar de paredes manchadas a negro pela humidade que penetrava incessantemente pelas telhas roídas pelos elementos e pelos membros inferiores do filho da minha vizinha que insistia em se preparar para torneios de basquetebol de mesa, correndo telhado acima, telhado abaixo. Fortalecia-lhe os gémeos dizia ele, enquanto eu aguardava que uma queda lhe enfraquecesse o seu jovem filho único que vivia aconchegado dentro das cuecas ali bem perto, na Rua do Baixo Ventre.

Tudo começara com a decisão de aprisionar a minha malfadada sogra num lar, a fim de me possibilitar acordar ao por do sol em dias de trabalho, o que não era possível com ela cá em casa, pois tinha o estranho hábito de convidar ex. colegas de escola para virem todos os dias jogar partidas de sueca enquanto se alambazavam do meu stock de tortas de chocolate e ananás. Quando foi colocada a hipótese de, em troca de momentos de paz, empenharmos algumas das poupanças que a velha arrecadara ao longo de anos de trabalho árduo a contar grãos de milho para encher pacotes de pipocas antes, durante e depois de sessões de cinema para maiores de 18 anos num tabernáculo sem janelas nem balcão, onde as bebidas eram servidas em cones de páginas amarelas e as moelas tinham sempre mais de 15 dias, fui colocado entre a espada e a parede. Nas palavras daquela com quem eu partilhara juras de amor eterno, se o caquéctico ser vivo fosse deslocado para o depósito dos iguais a si, a cadela de estimação ou roedor amestrado da minha mais que tudo teria direito a pernoitar no nosso leito de amor, bem entre os dois cônjuges. Chegados a esta situação terminal, qual grilo a quem é entregue a chave do cadeado da gaiola, que não consegue utilizar por não ser provido de polegares oponíveis, optei pela decisão que proporcionaria menor dano à minha, já se si enferrujada, qualidade de vida. E a caniche de espírito felino e unhas arrebitadas passou a babar a sua viscosa saliva na minha almofada e a forrar a pêlo encaracolado, se bem que sedoso, o interior das minhas narinas.

Infelizmente foi aqui que os reais problemas começaram, quando muito simpaticamente atiramos o andarilho da mulher para a porta do lar e elevamos os decibéis da voz para a convidar, muito cordialmente, a abandonar o nosso automóvel, ao mesmo tempo que lhe entregávamos 20,00 Euros para uma injecção letal, caso ela decidisse que seria esse o seu digno final. Perante a insistência da enfermeira de serviço, mulher de modos viris, que havia fugido à vida de pobreza e fome do Dubai para se alojar neste antro de riqueza e vastidão de recursos, verdadeiro apogeu da civilização moderno-quinhentista, fomos obrigados a deixar um número de telefone para que a progenitora da minha esposa nos pudesse contactar. Imbuído de espírito familiar e desejoso de manter contacto próximo com a execrável mulher, rabisquei um número falso no primeiro cartão que encontrei e entreguei à famigerada funcionária. Mais tarde, de regresso à paz do lar fui surpreendido por um telefonema que toldou para sempre os dias do nosso, já de si tumultuoso, ninho de ácaros. Aparentemente eu havia fornecido um número falso à enfermeira num cartão-de-visita meu, onde constava o verdadeiro número. E ainda mais aparentemente, os 20,00 Euros destinados a garantir um rápido sono eterno, haviam sido esbanjados em gomas por aquela que um dia havia inspirado a produção do Pac-Man.

Desde então, muito se tem discutido neste lar à beira da via rápida plantado a fim de alterarmos o número de telefone para acabarmos com os telefonemas que já duram há 3 anos, a convidar-nos para uma sacramental visita ao seu local de repouso.

A vez que estive mais perto de convencer a minha amada a dar ouvidos aos meus argumentos foi quando consegui que a decisão ficasse dependente de um torneio de arrotos. Inicialmente vitorioso do mesmo torneio, já me encontrava a caminho de uma loja de conveniência da nossa operadora telefónica quando fui surpreendido pelo chamamento da minha cara-metade. Ela descobrira que eu havia ingerido uma lata de Coca-cola e uma botija de hélio antes da disputa, pelo que fui desclassificado por doping e tudo voltou à estaca zero.

Contudo agora os meus argumentos tomavam maior força. Ao fim de 3 anos as poupanças da idosa tinham esgotado, pois não eram tantas que pudessem suportar a mensalidade do lar e a minha muito prosélita vida boémia, de intermináveis noites regadas a meias de leite, quentinhos galões, ou, nos dias de maior fraqueza mental, saborosos sucos de goiaba dinamarquesa nas mais finas pastelarias dos arrabaldes da grande aldeia que é a minha marquise. Talvez a devesse ter colocado a trabalhar em vez de a condenar ao desterro. Há decisões que nos marcam a vida e esta, juntamente com outra anos antes em que, pensando que a rapariga estava em completo coma alcoólico, ou como dizia o barman, em falecimento alcoólico, pedira a filha da velha em casamento. Infelizmente fui alvo de uma cabala e ela estava apenas a tentar ver se tinha alguma mensagem codificada escrita no interior das suas pálpebras. Ainda hoje insiste que tem lá algo escrito, justificando que são essas mensagens que lhe permitem ter diálogos nos seus sonhos.

Uma vez que a mensalidade tardava em dar entrada na generosa conta do lar, fomos contactados a anunciar a devolução do espécimen. Pediam-nos que fossemos recolher o que nos pertencia pois já se tinham dirigido à morada que havíamos deixado aquando da descarga do entulho, mas que lá não residia nenhum familiar da supra citada individua, o que me deixou perplexo, uma vez que a morada era da Penitenciária e era mau sinal não haver nenhum familiar da mulher lá encarcerado.

Basicamente isto queria dizer que a sua filha mais nova tinha sido libertada antes do final da sua pena de 25 anos a que havia sido condenada por roubo de uma peça de um puzzle de 55.000 peças, crime esse que se abateu sobre a nossa comunidade de tal forma que num apartamento contíguo a nossa casa, uma senhora, revoltada e revelando quase total perda de juízo, desenhara um bigode na cara do Presidente da Republica, que vinha estampada numa revista cor-de-rosa. Refira-se que a pena fora agravada pela circunstância de o acto ter sido perpetrado quando restavam menos de 13 peças para completar o quebra-cabeças, que, devido à ocultação da prova, continua inerte com 54999 peças, assente numa sepultura, sob a inscrição “Aqui o meu dono jaz. Tentou fazer-me mas agora não me faz”.

Esta informação encerrava em si boas e más noticia. A boa é que ficava feliz por finalmente, ao fim de 15 anos, ter sido provada a inocência da minha cunhada. A má é que eu havia sido testemunha de acusação, vital na sua condenação e ela havia prometido vingança dolorosa, que envolveria toda uma panóplia de objectos de corte com lâminas rombas para maior dificuldade de corte bem como quantidade industriais de xarope para a tosse e bacalhau à Braz, quando era retirada do tribunal presa num colete-de-forças. Em minha defesa tenho a dizer que o fato de treino que a irmã da minha princesa usava no dia do roubo era bastante parecido com o babygrou do bebé que, tal como mais tarde se veio a confirmar, perpetrou o sanguinolento crime.

Agora colocados perante estes novos pressupostos, a questão da mudança de número de telefone tornara-se pacifica. A questão que se levantava era a de mudar de morada, a bem da nossa saúde mental e da minha saúde física. As constantes gargalhadas que saiam da boca do meu amor de cada vez que eu puxava o assunto sugeriam-me que já só a minha saúde física poderia ser salva.

A Fome

Nas alturas em que me sinto completamente esquadrinhado pela fome, os meus olhos avistam sofregamente um autocarro e a imagem que transmitem ao cérebro é a de uma baguete com farripas de frango e rodelinhas de tomate, a escorrer molho de churrasco por todo o lado, que na realidade mais não é do que fumo decorrente do excessivo queimar de óleo da viatura, algo natural se for levado em conta que o transporte público tem ano de fabrico em 1967, apesar de ter sido comprado pela transportadora na Alemanha há apenas dois anos. A dor instala-se e é com pesar que sinto o meu intestino delgado entrar em rixas desnecessária com o estômago e com o esófago por ter o intestino grosso à perna a pedir conduto.
É por estas e por outras que me decidi a casar com alguém que fosse uma versão humanizada da Bimby, de preferência com upgrade para Dolce Gusto, pois uma cafezada depois de um pitéu agrada até à chinchila da minha cunhada que só come alface e alfalfa, mas nunca recusa um trago do néctar Campo-maiorense de preferência com um cheirinho de licor de lagarto chinês, especialmente se este for servido pelo senhor Fai Cheng, homem alto e magro de bigode farfalhudo e careca proeminente, nascido na Guiana Francesa mas leitor assíduo de Confúcio e Fernão Lopes, que muito novo emigrou para a Dinamarca, por engano, quando pretendia deslocar-se à Lapónia para entregar a sua carta de Natal aos duendes do patrono natalício. Durante a sua estadia no pais dos Vikings fundou uma fábrica de drakars onde todos os funcionários tinham como uniforme um disfarce de Vicki e apaixonou-se pela cultura sueca, sendo fervoroso amante do swing, mais a nível musical do que sexual, pois tendo ele feito um voto de castidade ainda no pais natal, sentia que lhe faltava algo para dar em troca numa situação de swing de carácter carnal. Foi ainda em terras de Sua Majestade Rainha Margarida II que se converteu ao absentismo, deixando de comparecer no local de trabalho sem aviso prévio e adoptando um nome russo, Faizulinenko Chengrinski, que rapidamente abreviou para Fai Cheng por não se recordar de como se escrevia e pronunciava o seu nome completo.
A minha saudosa mãezinha, que Deus tenha bem junto de si como tem todos os seus devotos e crentes, para compensar o facto de ela desde pequena ter nutrido uma inexplicável adoração por Satanás e pela Irmandade Illuminati ao ponto de ter tentado baptizar a minha irmã mais velha com o nome de Copernica, que foi automaticamente recusado pelo Registo Civil, livrando-se assim a mana Galileia de um nome ridículo, sempre me recomendou que escolhesse para contrair matrimónio uma freira pois dizia ela que as enclausuradas certamente tinham extraordinários dotes petiscais visto não haver noticia de Deus, a quem elas haviam prometido devoção eterna, alguma vez ter ido a um fast food amarfanhar um suculento hambúrguer ou uma mirrada fatia de pizza Primavera. A minha tia contrapunha que isso se devia ao facto do inventor de tudo não gostar de pepino nem anchovas, mas a minha saudosa mãezinha defendia a sua dama atirando à sorrelfa o argumento de que os doces conventuais gozavam de enorme fama, sendo que nenhum homem era capaz de fazer um trejeito de boca enquanto aplicava umas viris dentadas numa Barriga de Freira e não havia mulher que não soltasse um Suspiro de Braga enquanto esfacelava um Fidalguinho. Aqui o meu pai juntava as mãos e levava-as acima do seu boné da Robbialac e afirmava pleno de convicção que se havia coisa que o deixava fora de si era um Pito de Santa Luzia.
Quis o destino que eu me perdesse de amores por uma ateia agnóstica que me conquistou o coração com uma pratada de Canard à L’Orange confeccionado pela sua mãe, memórias ainda de uma comissão de serviço prestada por esta como mercenária durante a Guerra Civil no Congo Belga, onde ao serviço das tropas de Mobotu Sese Seko ajudou a derrubar o Governo de Moise Tshombe, trazendo na bagagem toda uma panóplia de receitas culinárias que durante muito tempo me deliciaram, até ao momento em que a velha me começou a ensaboar o juízo com a frequência e velocidade de um Alfa Pendular ao ponto de me ter obrigado a interna-la num lar com visitas periódicas bastante limitadas.
Para meu azar a minha excelsa esposa apenas herdou de sua mãe a vil capacidade de me atazanar o sistema nervoso, estrangulando-o até ele não respirar, desconfiando eu que os dotes culinários foram herdados pela minha cunhada visto o seu marido ser um badocha que tem a parte de baixo da cama coberta de tijolos de 15 para que esta não abata. Enquanto isso eu vou-me habituando a matar o bichinho da fome com bifes de vaca cuja substancia calórica e nutricional é a mesma de um pedaço de madeira de azinho a crepitar na lareira numa tarde de verão enquanto espera que lhe seja colocado em cima o assador para uma assadela de castanhas fora de época.

O Dia

Começou-me mal o dia e quando assim é, só me resta esperar pelo pôr do sol para voltar a arrastar os costados até à cama e espojá-los nos ácaros que habitam os lençóis coçados e desbotados que me cobrem o colchão matrimonial.
Tudo começou ao acordar, momento em que fui surpreendido por dois despertadores tão sintonizados como aquelas miúdas, que, quais avestruzes aquáticas, afundam a cabeça na piscina e fazem figuras geométricas com as suas bem torneadas pernas, cuja utilidade só é comparável à dos tampos das jantes nos automóveis, pois exibem grande beleza visual mas se lá não estivessem o veiculo movia-se com a mesma eficácia, para além das energias que consomem a quem as tenta descolar para mudar a roda após um inoportuno furo durante uma noite de tempestade biblica. Como agravante, a minha fiel esposa, num assomo de stand-up comedy obtuso, esconso e com foros de surrealismo Monty Pytoniano esforçava os seus alvéolos pulmonares no banho numa triste tentativa de interpretar a “Nikita” do Elton John com a voz esganiçada e desafinada de um chimpanzé enquanto cata piolhos a outro ser da mesma espécie na copa de um Baobá na tropical savana africana.
Senti que a única forma de fugir à tormenta que se tinha abatido sobre a caravela a que chamo “minha vida” era virar à esquerda na primeira almofada e retirar-me estrategicamente para fora do quarto, qual Jesus que após oferecer a outra face à mão estalajadeira, sente a impotência de ter nascido com apenas duas bochechas e tenta evitar a palmada repressora de um qualquer José carpinteiro na nádega marcada pelo tampo da sanita onde horas antes esvaziara uma intoxicação alimentar derivada de uma sandes de presunto mal fumado, sem puxar o autoclismo.
A fim de me vestir, agarrei numa peúga e tentei calça-la. Debalde, senti um baque tal que pensei que o baço e o fígado tinham trocado de lugar como se estivessem a jogar alegremente ao elástico no recreio da escola primária, entre um gole de iogurte liquido e uma baforadela num cigarro de chocolate às escondidas. Ao retirar a peúga reparei que esta, devido à rigidez resultante de utilização ininterrupta ao longo das últimas duas semanas, me tinha esfolado o joanete. Como medida preventiva decidi-me a despir também as cuecas, às quais tanto me tinha afeiçoado no último mês pelos serviços tão competentemente prestados, por recear que estas pudessem agredir-me nas partes pudibundas cuja pele não está tão calejada e portanto mais frágil e sensível ao toque do que a dos membros inferiores, mais habituada ao contacto físico com a tijoleira Santa Catarina, aveludada pelos pêlos do caniche, da habitação de três assoalhadas que divido com a minha esposa, desde que ela aceitou ser minha consorte.
Batida com estrondo a porta de casa vi-me impossibilitado de utilizar o elevador pois a porteira havia sintonizado a aparelhagem que fornece a musica ambiente ao habitáculo móvel na Rádio Celtibera de cujo posto emissor zurravam as gaitas de foles dos “Viri & Athus”, banda originária do Huambo, mas radicada em Alcongosta e que defende a nacionalidade angolana do grande guerreiro Lusitano. Desprovido de todo e qualquer sentimento de índole sado masoquista, vi-me obrigado a alcançar o rés do chão através do vão de escadas do prédio, onde os interruptores eléctricos mais não serviam do que para reter impressões digitais e epiteliais daqueles que tentavam, sem sucesso iluminar os candeeiros que tão habilmente decoravam o tecto do fosso das escadas.
Em três penadas pus-me a caminho do café da Ti Marquinhas, onde tinha marcada uma entrevista de trabalho com Crisanto Filomeno, director-jornalista-gráfico-ardina do jornal “Voz de Vós”, que me queria oferecer metade de um ordenado mínimo do Botswana para eu tomar as rédeas do Jornal bem como ficar responsável pela coluna “A Cozinha e os Detergentes da Loiça”, tendo a meu cargo a detecção de todo e qualquer furo jornalístico dentro do nicho de mercado que são os detergentes domésticos, com particular incidência aos utilizados nos lava loiças e máquinas de lavar loiça do país. Seria igualmente responsável pela redacção na ausência de Crisanto, o que iria suceder já a partir desse momento pois ele preparava-se para emigrar para as Ilhas Tonga onde iria trabalhar como jardineiro no parlamento local, bem como por toda a parte gráfica, de edição e distribuição deste semanário trimestral que saíra para as bancas uma vez nos último sete anos.
A verdade é que toda a eloquência que ele revelara ao telefone e que me havia convencido a aceitar o emprego se esvaiu quando entrei no salão do café e ouvi um sonoro arroto de creme de cebolada ecoar da mesa onde Crisanto me aguardava vestido só com umas ceroulas rotas junto ao joelho esquerdo e um cachecol de lantejoulas a tapar-lhe os mamilos, que, saltava à vista, não seria dele mas talvez de sua esposa, pois esta jazia deitada de bruços no chão, despida da cintura para cima, apenas com uma garrafa de Palinka na mão. Naquele momento decidi que este ainda não seria o emprego para mim e que o melhor era dirigir-me a outro estabelecimento de restauração, pedir uma mini e um pratinho de tremoços e aguardar que o dia passasse, porque realmente a coisa não estava a correr nada bem.

O Puto

Ya, do se bem, alte fixe bacaninho e coiso e tal...cada vez entendo menos o filho dos meus vizinhos do 4º andar. O arremelgado do catraio não atina três letras sem fazer da língua portuguesa uma mulher de 80 anos com botox no nariz, ou seja, uma coisa tremendamente feia e a precisar de papel mata borrão ou de uma dispensa escura.
Quem o vê agora tem que encontrar semelhanças extremas com uma catatua dos confins da selva Amazónica, mais para o lado guarani que charrua, que é como quem diz mais Paraguaio que Uruguaio. Aliás a forma como ele desintegra o dicionário português só é comparável a um nativo do Brasil sertanejo a tentar esmiuçar o sistema informático de um aparelho de ar condicionado debaixo de uma soalheira tórrida de 45 graus, tendo ao seu lado um guarda sol aberto mas que se recusa a utilizar.
É nestes momentos que a lógica não passa de um contentor do lixo a arder numa rua de Atenas ou de Paris durante um tumulto estudantil, tendo estampado um autocolante que diz “Cocktail Molotov Mata”, numa clara alusão às quiló-calorias presentes numa fatia do famoso doce esponjoso e peganhento e que só perde em número de fãs para o terrivelmente manhoso doce da casa, pois ninguém resiste a tentar saber a marca da bolacha que está no fundo da taça e como diz o ditado popular “a curiosidade matou a fome”, mesmo sabendo que qualquer gato gostaria de ter um ditado popular só para si.
Pior do que presenciar a coisa é começar a reconhecer-lhe tanto dejá-vu que pensamos que das duas uma: ou estamos a ficar loucos ou então molhar camarão tigre em leite com chocolate é algo tão natural como atirarmo-nos de um arranha-céus e cairmos de cara no chão, só porque temos manteiga no canto da boca, porque não há física que consiga contrariar a Lei de Murphy.
O lado triste deste filme de produção manhosó-nacional é ver que a recuperação do jovem está seriamente comprometida por obra e graça do macho progenitor, verdadeiro pintas da cena alfacinha, saído directamente de um qualquer bas-fond oitentista em cujo escuro espaço regurgitou pelo nariz, durante anos, o fumo impregnado de nicotina que exalava pela boca, na esperança de que o seu farfalhudo bigode filtrasse as toxinas que anos mais tarde lhe causaram graves problemas bronco-respiratórios, pois produz tanto ruído no processo de inspiração/expiração que é uma bronca conseguir dormir no raio do prédio ao mesmo tempo que o homo de neerdental do 4º andar deita a careca coçada na fronha encardida da almofada.
Este exemplar acabado da estupidez pós revolucionária que trata a esposa por Delfina apesar de estar casado há mais de 30 anos com ela e no acto do matrimónio ter aceitado casar com a sra. Josefina Magalhães, afinal de contas verdadeiro nome da infeliz consumidora crónica de barbitúricos, é um fã incondicional das conversas apatetadas da cria de ambos, exibindo o cacarejar do pirralho aos amigos como quem exibe uma aguardente melosa de Monchique a três jovens que apenas tentam fazer o seu trabalho.
A minha insistência para que as visitas desta dupla de três múmias sejam cada vez mais esporádicas esbarra sempre no bestial ensopado de borrego que a minha esposa insiste em oferecer antes das reuniões de condomínio, ás quais por incrível que possa parecer, todos os habitantes deste prédio outrora devoluto comparecem em massa, fazendo do nosso humilde lar um autêntico centro de congressos, ao qual só falta a disposição do set up em teatro ou cabaret, apesar das longas pernas e curtas minisaias da vizinha do 1º andar darem um certo ar de cabaret ao ajuntamento.

O Judeu

“Ich Tino num tá cheirando bein aqui não”... foi com estas singelas palavras que Carciano me informou que havia gaseado novamente a atmosfera com sulfato de feijão com arroz de 3 dias, re-aquecido na fogueira que flamejava lá embaixo no bidão junto à betoneira. Dito isto no topo de um andaime que dá para o 23º andar de um prédio em construção, onde não há escapatória possível, só me resta esperar que o anticiclone estacionado a meio do Atlântico se dirija para junto de nós e leve o metano expelido pelos intestinos brasileiros sentados a meu lado para bem longe, antes que danifique o reboco acabado de chapar no tijolo virgem.
Embrenhado neste caos olfactivo de índole flatuleica, esqueci-me de ir recolher o saco com a roupa interior da minha sogra que a minha excelsa esposa havia deixado na lavandaria do sr. Itzhak Stern, há cerca de 3 semanas para limpar os ácaros incrustados por utilização abusiva do mesmo vestuário.
Quando me decidi a descer até solo firme e ir ao encontro do “judeu” como pomposamente era chamado o sr. Stern por todos os seus vizinhos de extrema direita, já passava das 17h00, pelo que foi sem colocar o capacete, cotoveleiras e joelheiras que me sentei no meu monociclo e pedalei desenfreadamente estrada molhada abaixo. Não fora uma pequena barricada de pneus a arder, colocada no meio da estrada pelo grupo pacifista “Recém Mamãs Zen” e não teria sido obrigado a pedir o estojo de primeiros socorros assim que cheguei à lavandaria, para desinfectar as feridas que pululavam as minhas articulações superiores e inferiores. Na cabeça estava ileso, pois pelos vistos dar à luz afecta a capacidade motora de acertar com pedras em alvos em movimento.
Quando pedi a minha encomenda fui surpreendido com a informação de que a roupa não havia sido lavada e que naquela lavandaria nunca o seria, pois tratavam-se de vestimentas indignas para uma senhora. Nesta altura convém referir que a imponente figura que se prostrava à minha frente era um indivíduo nascido há 82 anos como Wolfgang Schneitz numa Clinica de Abortos de Nuremberga, tendo logo ali originado uma queixa no Livro de Reclamações por parte da mãe-que-não-queria-ser e havia pertencido às SS Nazis, tendo sido destacado para o Campo de Concentração de Birkenau. Com o final da Guerra converteu-se ao islamismo e refugiou-se na Palestina, de onde lançava amiúde ataques terroristas contra oficinas de carpintaria luzemburguesas em Haifa. No último desses ataques vestiu-se de coelhinho da Páscoa e dirigiu-se a uma loja de frutas tropicais, na esperança que alguém lhe apertasse o pompom que camuflava o rabo do coelho e despoletasse o engenho explosivo que trazia à cintura. O aperto chegou pela mão de um jovem moreno de 54 anos, mas a única explosão que se deu foi a do amor. Rapidamente se converteu ao judaismo e ao homossexualismo, emigrando então para Lisboa e estabelecendo-se no Martim Moniz, como profissional da lavagem de vestuário a seco ou molhado, não perdendo no entanto o seu espirito conservador, o mesmo que o impedia de aceitar trabalhos que chocassem com a sua vertente mais púdica.
Da minha parte fui obrigado a aceitar a renitência do “judeu” para com as roupas que estavam dentro do saco, especialmente no wonderbra e na cueca fio dental de tamanho avassalador, suficiente para a Inquisição enforcar 3 hereges e ainda atar ao poste da fogueira mais 2 bruxas. As meias de ligas estavam laças o que denotava uma utilização assustadoramente habitual, para uma senhora de 98 anos internada num Lar. Num ápice coloquei tudo dentro do saco e disse para o meu interlocutor incinerar aquilo tudo. O brilhozinho nos seus olhos ao ouvir a palavra “incinerar” mostrou que ainda havia algo de nazi naquele judeu.

A Memória

Ah catano, ele há coisa que um tipo nunca mais esquece, outras pelo contrário nunca mais nos lembramos e desaparecem da memória como pílulas do dia seguinte por alturas de Semana Académica..
Até parece que foi ontem que fui atingido pelas ondas de choque emitidas pela minha mãe lá da varanda onde pendurava as ceroulas do meu velho na corda para evaporarem as humidades e cheiros de uma lavagem com água e sabão azul: “ahh bicho dum camano. ‘Stantino, vai-te-me masé à loja dos cabedais comprar uma coleira pró raistaparta do gato da tua irmã que ele já se me foi às nêsperas outra vez”, pigarreou ela. Sem pensar duas vezes lá me dirigi à loja onde o ti’ Marques Choco, entre umas valentes goladas de aguardente de medronho caseira feita à base de coirato fumado, inspirava diariamente cheiro a bedum e sebo, que aplicava cuidadosamente nas botas de cabedal enquanto a sua mente divagava pelas coxas da senhora Erminia, cujo marido havia falecido 5 anos antes, após uma reacção alérgica a um tremoço, enquanto ouvia o relato de um jogo de 3 em Linha na telefonia, segundo conta a viúva. Quando saltei o portão emperrado de ferrugem do nosso minúsculo latifúndio onde a erva daninha se desenvolvia como míldio nas batatas, estes pensamentos emaranhavam-se na minha cabeça com a chave do Totobola onde me inclinava para apostar numa tripla 1X2 para o jogo em que o Aberystwyth recebia no seu estádio o Caernarfon na 20ª jornada do Campeonato Galês.
Ao aproximar-me do edifício onde o ti’ Marques Choco tinha estabelecido o seu meio de subsistência dei de caras com um cenário algo estranho, aliás, completamente surrealista, pois um grande cartaz exposto na galera de um camião Tir anunciava uma exposição com pinturas de Salvador Dali e René Margritte a decorrer nas carrinhas cor de tijolo da Biblioteca Itinerante, portanto só acessível a quem tivesse cartão de sócio das Bibliotecas Calouste Gulbenkian. Na rua uma sonora manifestação juntava de um lado da barricada a ILGA e a Sociedade Portuguesa de Sado-Masoquismo e do outro a Liga Portuguesa dos Animais, cujos elementos tapavam as vergonhas com alfaces e papo-secos, enquanto vociferavam palavras de ordem contra o uso de peles na produção das vestes de Drag Queens e de roupas bondage. À porta do seu estabelecimento comercial ti Marques Choco não poupava nos apupos aos “alfaces”, acusando-os de serem maus para o negócio, o que lhe viria a custar mais tarde duas vitrinas estilhaçadas no pavimento de calçada típica portuguesa e umas calças de cabedal, roubadas por um dos defensores dos animais, após ter perdido a sua alface numa acesa disputa com uma chinchila fugida de sua dona e esfomeada.O espanto perante tal cenário foi tal que a minha memória bloqueou, pelo que se me varreu da ideia o propósito da minha visita aquele local e regressei a casa sem a famigerada coleira para gatos que me havia pedido a minha mãe. Na altura não me pareceu um esquecimento grave e revelava-se bastante útil para mim, pois com o gato à solta podia continuar a devorar a meu bel prazer a nêsperas que povoavam a única árvore do quintal, cuja copa esvoaçava bem junto à janela do meu quarto, com a mesma densidade populacional de Shangai.

As Perguntas

Pergunta – Mas porque raio é que há pessoas que mandam tantos perdigotos quando estão a falar que os seus interlocutores pensam que estão na selva Amazónica em dia de tempestade tropical?
Resposta – Bom esse fenómeno é originado por outro que se denomina “Ciclo Hidrológico ou da Água”. Quando está muito calor a água evapora, quando a temperatura baixa a água liquidifica. Assim uma pessoa quando está com febre evapora água na boca e quando baixa a temperatura corporal assiste-se à liquidificação da água e ao chamado “perdigoto”. Portanto nunca se deve falar com uma pessoa que tenha estado com febre há menos de 3 semanas, a não ser que se leve um fato de oleado e óculos de mergulho.
Pergunta – Porque é que as senhoras quando põem a roupa a lavar a separam por cores assim mais ou menos como se estivessem a jogar ao Quatro em Linha?
Resposta – É um engano. A roupa não é separada por cores mas sim por “locais”. Quando se põe a máquina a lavar deve-se ter o cuidado de juntar peças de roupa que sejam utilizadas em locais do corpo com a mesma propensão para se sujarem. Assim no Verão devem-se pôr as peúgas que estiveram nos pés a lavar juntamente com a t-shirt que tocou os sovacos. De Inverno o acompanhamento das peúgas devem ser as calçar, pois estas podem ter tocado lama. Em ambas as temporadas a cuecas e boxers devem ser lavadas à parte pois têm um nivel de propensão à sujidade bastante mais elevado que todas as outras peças de roupa. De qualquer forma deve-se ter o cuidado de não misturar cores dentro do tambor da máquina a fim de evitar tingimentos. É por isso que tenho umas peúgas cor de rosa, para poder lava-las juntamente com as calças no Inverno.
Pergunta – Se os jogadores que rematam com o pé direito são destros e os que utilizam o pé esquerdo são canhotos, porque é que os que usam os dois pés de igual forma dão ambidestros e não ambicanhotos?
Resposta – Um jogador que utiliza os dois pés com a mesma eficiência não é ambidestro, é destronhoto. Ambidestro é um jogador que nasce com uma doença congénita que dá origem a que na extremidade inferior de ambas as pernas cresçam pés direitos, ou seja, com o dedo grande do lado esquerdo. Ainda não é conhecida cura para esta doença, mas normalmente resolve-se este problema com amputação do pé da perna esquerda e utilização de prótese. Diversos jogadores do Sporting sofrem deste drama. Ambicanhoto não existe meu palerma.
Pergunta – O que é a Teoria da Relatividade descoberta pelo descabelado e abandalhado cientista Albert Einstein?
Resposta – Bom como o próprio nome indica, a Teoria da Relatividade é muito relativa, muito subjectiva. Esta prova que tudo na vida tem várias interpretações, é tudo muito relativo. Por exemplo a minha cara metade adora a minha sogra, eu pelo contrário atinjo o topo dos meus níveis de felicidade assim que ela volta para o retiro obrigatório do Lar. Por outro lado todo o Mundo pensa que o Einstein era um despenteado crónico mas ele sempre achou que fazia grande sucesso entre as senhoras por ser adepto do desgrenhamento capilar.
Pergunta – Porque é que o nosso cabelo nunca pára de crescer sendo que ás vezes de tão grande no humilha por parecermos palmeiras?
Resposta – O nosso cabelo é um veiculo de contacto social, é o que faz do Ser Humano um animal social, obrigando-nos a ir onde mais e melhor se contacta com as pessoas, onde há verdadieras discussões e onde se tratam temas importantes para a evolução da Sociedade, ao Barbeiro. Este hábito vem do tempo dos Gregos que foram o primeiro povo a dirigir-se ao barbeiro para cortar o cabelo e discutir os temas do dia a dia. Em Grego Antigo barbeiro diz-se “Acrópole”.
Pergunta – Existem extra terrestres noutros planetas ou isso não passa de invenção dos Humanos que já não têm mais nenhum animal para domesticar?
Resposta – Sem dúvida que existem extra terrestres e todos eles são extremamente inteligentes. A maior prova de que há seres inteligentes noutros planetas é que eles nunca tentaram estabelecer contacto connosco e os relatos de pessoas que dizem que viram OVNIS só afastam cada vez mais todo e qualquer resquicio de vontade que os extra terrestes poderiam ter de contactar connosco.
Pergunta – Porque é que tenho que ser sempre eu a pôr e levantar a mesa quando está tanta gente cá em casa?
Resposta – Porque és o mais pequeno, estás em processo de aprendizagem, tens que treinar estes pequenos aspectos da vida para quando fores mais velho os fazeres com total destreza e porque a tua tia me está a pedir a mim para o fazer e eu te estou a mandar a ti porque não me apetece levantar do sofá. Pisga-te, fecha a porta da sala e desliga a luz.
É por estas e por outras que me chateia que o meu sobrinho venha cá a casa. O miúdo sofre de uma estirpe de ignorância nunca antes estudada que chega a atingir niveis quase psicanaliticos, bombardeando-me com perguntas complexas mas que são pêra doce para um adulto como eu. Só me chateia é que os meus cunhados não ensinem nada ao catraio, obrigando-me a fazer uma pausa no meu Puzzle Bubble para elucidar o raio do puto de todas as suas dúvidas existenciais. Se não fosse eu certamente que o miúdo neste momento apenas tinha o conhecimento cientifico de um peixe.

Os Guerrilheiros

Atingiu-me como uma seringa da vacina BCG espetada na veia por uma antiga enfermeira do Hospital Júlio de Matos, e tirou-me a modorra instalada no meu corpo que jazia deitado no sofá onde eu fazia nada, algo que, modéstia à parte, executo com indesmentível qualidade. Pedro e Inês haviam sido capturados e a cara do rapaz, com cicatrizes de uma varicela mal curada aparecia escarrapachada no meu plasma, tapando o nariz à entrada do Tribunal.
Pedro e Inês haviam sido meus colegas de escola. Mais tarde casaram-se, formando um casal pouco menos que perfeitos, sendo que às vezes até se beijavam chegando inclusive a serem vistos de mão dada na rua, numa noite de lua em quarto minguante. Curiosamente, tal como na famosa lenda, viriam a separar-se devido à Realeza, numa discussão durante um jogo de sueca, em que a rapariga afirmou a pés juntos que a Dama valia mais que o Valete ao que o rapaz ripostou que nunca a Rainha teria mais poder que o Príncipe terminando a discussão com uma acusação de machismo contra o jovem a quem a razão acudia.
A reunificação fez-se passado 5 anos, quando o espírito revolucionário já invadira as mentes dos pombinhos e juntos formaram o P.I.L.A., Partido Independente de Libertação de Almancil, famoso pelas suas acções de guerrilha, atacando instituições com ligações à Câmara Municipal de Loulé pintando-lhes motivos de Natal nas janelas dos edifícios e veículos bem como por uma sucessão de raptos de plantas e respectivos vasos que se encontravam espalhados pela vila, numa tentativa de atingir o poder Camarário onde mais lhe doía, o Departamento de Jardinagem e Espaços Verdes, escondendo-se após os ataques nas matas verdejantes de silvas, pinheiros e estrume do Centro Hípico do Corgo da Zorra. Após o desmantelamento da Organização Terrorista foi tornado público todo um sistema de túneis camuflados por diversos montes de gravilha deixados para trás pela Junta Autónoma das Estradas nos anos 90 aquando da reabilitação da Estrada Nacional 245 que liga Almancil aos aldeamentos turísticos circundantes.
Durante anos o Exército combateu Pedro, Inês e sua Quadrilha com Pombos Dejectores, formados na Baixa Pombalina, onde entre outras coisas tinham desenvolvido uma capacidade quase inata para lançar dejectos a grande altura em cima de viaturas automóveis, dilacerando-lhes o esmalte da pintura e deixando marcas irreversíveis no meio de transporte. Esta técnica foi utilizada na tentativa de localização dos meus antigos colegas a fim de lhes marcar os carros para serem mais facilmente identificados. Isto motivou que os Bandoleiros tivessem que andar com um pano de camurça no coldre e fossem lestos na limpeza dos seus automóveis a fim de não serem descobertos.
Infelizmente para eles, foi colocado na sua peugada o General Pardal, que se gabava de ter cumprido 2 comissões no estrangeiro ao serviço da ONU mas na realidade tinha estado além fronteiras ao serviço da operadora de Internet ONI. Com ou sem formação militar, teve o mérito de encurralar os foras da lei no seu esconderijo e quando gritou no seu megafone “Rebenta a Bolha” já não havia escapatória possível para os foragidos e estes cumpriram os preceitos da rendição, saindo dos túneis empunhando uma bandeira aos quadrados pretos e brancos.
Toda esta história foi contada em directo pelo pivô do telejornal, mas quando terminou já eu estava ferrado no sono novamente, depois de ter saciado o estômago com um batido de tomate e cenoura, pelo que só ouvi metade da epopeia.

O Vinho

Deixei-me dormir no sofá enquanto descascava um saco de asas do Modelo cheio de favas e ervilhas, à espera que deixasse de chuviscar na televisão e voltasse a emissão regular, que havia sido interrompida durante a transmissão do documentário “Os Pernetas e a Podologia, ou a vã esperança de criar bolhas nos pés” que contava com o lancinante testemunho de Virgílio Cepeda, barbeiro uni sexo de profissão e podologista nos tempos livres por influência do pai, campino na zona de Alcoutim, que o ensinara a mudar as ferraduras aos cavalos.
Este súbito baque de sono fez com que me esquecesse de programar o alarme para acordar no dia seguinte, para o qual eu tinha reservado a manhã para ajudar a fazer vinho, o sangue de Cristo, na adega do Ti Lopes, repetindo assim uma tradição que muito me aborrecia. Apesar do tardio despertar, rapidamente me pus a caminho da adega, que fica relativamente perto do meu lar, pelo que fiz o caminho a pé, não demorando mais do que 2 horas de caminho.
Ao chegar à porta do barracão onde se pisava o fruto da videira, descortinei através das lentes dos meus óculos, cravadas de mosquitos qual pára brisas de autocarro de 55 lugares na A1, uma rapariga roliça, bem arregimentada de barriga, apesar dar evidentes carências dentárias e de pernas tingidas de azul que ocupava o meu local no cordão humano que transformava em néctar dos deuses os berlindes da natureza, ao ritmo de Bob Marley, aproveitando o típico movimentar de pernas da dança reggae para massacrar a fruta.
De ar já meio grogue e de passada desconexa aquando do meu primeiro olhar, foi sem surpresa que a vi sucumbir, passados alguns minutos, ao álcool que se libertava do mosto em direcção à atmosfera. Caindo desamparada no que outrora decorara as vinhas, por pouco não se afogou, sendo o seu peso um óbice ao salvamento sendo necessário recorrer ao egrégio método da roldana para elevar o peso morto da substância que iria, mais tarde, animar jantaradas e almoçaradas pelo bairro fora. Uma vez fora do lagar, permaneceu durante largos minutos inconsciente enquanto os restantes presentes discutiam, acerca de quem iria fazer respiração boca a boca, retraindo-se todos perante a cara azulada, atacada pela cárie dentária e com grainhas a sobressaírem dos cantos dos lábios. Felizmente nem uma pessoa inconsciente consegue aguentar o cheiro libertado pelos cigarros de barbas de milho, baforados pelo senhor Domingos da Chafarrica e a rapariga deu sinal de vida, menos vivaça que dantes, mas com o sistema respiratório em funcionamento.
Recuperado o meu lugar de direito, fiz-me ao lagar com tamanha fuçanguice que levei 2 minutos a reparar que me encontrava a pisar o alguidar onde jaziam as batatas cozidas que iriam ser servidas ao almoço. Como na natureza nada se perde e tudo se transforma, dona Irina aproveitou o puré, destilou-o no alambique e de lá fez vodka para aquecer as noites em que o seu Manuel teria que ficar a trabalhar até mais tarde na taberna do casal, privando-a assim de companhia ao adormecer.
Entretanto lá fora o tempo encrespava-se, largando sobre o barracão tamanho aguaceiro que logo deixou a descoberto a falha no telhado de lusalite que pingava justamente no local de onde esperávamos que fosse erigida uma pinga que nos animasse as noites e os dias. O sucessivo pinga pinga tornou o que seria um Vintage de 18 graus num palhete de fraca qualidade, mais capaz de servir para refogado que para ser servido à mesa. Isto comprovamos nós num faustoso repasto, depois de lavarmos o corpo com pedra-pomes, única forma de descolorir a pele e esbater o cheiro da uva que se havia entranhado pelos poros.

O Casamento

Molhei a peúga. É certo que tive uma noite muito mal dormida resultado de um corte de cabelo caseiro, com a camisola do pijama vestida, na qual se alojaram agulhas que outrora haviam sido afiadas diariamente pelo meu pente e que me picotaram o pescoço durante toda a noite, mas nada desculpa a minha falta de pontaria matinal, falhando o recipiente para a descarga de ácido úrico, numa função que até o caniche da esposa já executa sem problemas. Era difícil começar pior um dia que já não augurava nada de bom, era o dia do casamento do casal em cuja casa a minha mais que tudo fazia as limpezas e areava os latões.
Casal já em fase final de vida, Gregório e Domingas haviam-se conhecido no Ultramar, mais especificamente no Planalto do Bié, onde o futuro esposo era limpa neves desempregado e sua cônjuge era cantora, sendo que só exercitava a voz na gravação de mensagens para atendedores de chamadas. Após a Revolução regressaram à Metrópole onde viriam a enriquecer gravando toques polifónicos para telemóveis atingindo finalmente a independência financeira que lhes permitiria o feliz desenlace.
Á entrada da Igreja lá se encontrava o costumeiro vendedor de cachorros, apregoando uma sopa de cogumelos acabada de fazer ao que eu escolhi um Combi de pipocas com molho de peixe tailandês e um copo de tinto da Bairrada, o sangue de Cristo. Uma vez lá dentro ainda me arrependi da minha escolha, afinal por entre os bancos andava um indivíduo a vender pacotinhos de hóstias, simples, com chocolate ou com doce de laranja. Ainda fui a tempo de provar este doce conventual, pois o pobre indivíduo tinha uma estrutura tal que me fez acreditar que passava os dias a experimentar o sabor do que vendia, movimentando-se com grande dificuldade pela Igreja lotada e dando-me tempo para terminar o milho frito.
Presumo que o casamento não foi um sucesso, pelo menos não teve ovação de pé. A coisa começou logo mal, pois por um qualquer engano o padre contratado era um Rabi israelita cujo único som que abandonava as suas cordas vocais de forma a ser perceptível ao comum português era um muito arranhado “muito bem”. A verdade é que só no dia anterior à cerimónia é que os noivos deram conta da gaffe, pelo que o casamento saiu em playback, com as palavras a serem projectadas do leitor de CD para as colunas da Catedral enquanto que o Rabi Isaac movia os lábios numa mímica muito chaplinesca à qual só faltava o guarda chuva. O logro só foi topado pelos que ocupavam as cadeiras da frente, que logo ali soltaram uma leve demonstração de desagrado, que viria a aumentar quando os presentes foram informados que por motivos profissionais o noivo não iria comparecer ao casamento, pelo que em seu lugar estava um televisor LCD onde era transmitida uma filmagem caseira onde Gregório seguia todos os passos até ao “sim” final. Por obra e graça do destino, o DVD encravou logo na altura da palavra afirmativa, talvez devido a alguma poeira desmancha-prazeres. Este infeliz acontecimento marcou o final da cerimónia com os espectadores a partirem em debandada rumo ao Estádio Municipal, onde a agremiação local disputava jogo decisivo para a permanência na 2ª divisão distrital. Para mim foi tempo de regressar ao lar, que ainda tinha umas caleiras para limpar antes que chegassem as primeiras chuvas de Setembro.

O Festival

E de súbito tive uma visão. O momento era deveras propicio, tinha acabado de assentar os meus óculos no nariz, única forma de passar por cima do astigmatismo que me turva a visão de longo alcance, não me permitindo, entre outras coisas, decifrar a matricula do carro que passa por mim a alta velocidade e me esguicha água lamacenta de uma poça de dia de tempestade para a camisa branca antes de uma entrevista de emprego. Neste caso através dos fundos de garrafa fiquei a saber que a banda El Dueto de Tres, verdadeiros ícones da musica popular peruana, artistas da flauta de beiços em cana de bambú e presença habitual numa qualquer rua das lojas do nosso pais, se ia apresentar em palco no Festival Internacional de Pesca do Pato, em Alcongosta. Este era o momento que eu sempre esperei.
Feita a barba e colocados os respectivos pedacinhos de papel higiénico nos cortes originados pela pressa e por uma lâmina romba com 3 semanas de utilização, preparei o farnel com 2 sandes de paio e uma lata de dobrada de feijão, não sem antes acomodar o bucho com 1 paposseco recheado de mortadela e regado com leitinho com mel, seguido do qual me fiz à terra batida.
A caminho, entre uma mudança de pneu e uma paragem para arrefecer o motor, ainda me lembrei de que não tinha aberto a porta da nossa minúscula dispensa para deixar o caniche ir fazer as necessidades à rua, o que normalmente significava cheiro a Ria em hora de maré baixa para o resto da semana, mas nesta altura já não ousava voltar para trás e correr o perigo de ver o meu carro cuspir o seu último trago de dióxido de carbono para a atmosfera antes de eu conseguir vislumbrar o nariz torto de Paco Bilha esse ícone da música.
Paco Bilha era unânimemente reconhecido como o cérebro do grupo, apesar de as frequente entrevistas concedidas pelos três magos da música nos fazerem pensar que eles dividiam o mesmo cérebro, entre todos. Nascido nos confins dos Andes, Paco era sem dúvida o melhor tocador de pífaro do Mundo, beneficiando do facto de não ter dentes à frente o que lhe permitia ter um encaixe perfeito para o bocal do instrumento e conferir ao som um vibrato único e bastante apreciado por todos os descendentes dos Incas.
Martin Del Cano, por sua vez assumia-se como o elemento mais discreto do grupo, parecendo por vezes até invisível, fruto do facto de ser anão o que fazia com que as pessoas tivessem grandes dificuldades em vê-lo manejar a concertina caso estivessem um pouco mais distantes do palco.
O terceiro elemento do dueto era porventura o mais peculiar. Juanito Talento, na realidade possuía poucas doses do mesmo, devendo o seu nome a herança familiar, do lado paterno.
Desde cedo que Juanito revelou queda para a música o que lhe valeu 3 dias de internamento no Hospital de S. Maria após ter caído de um palco, onde actuava José Malhoa e a sua pequena filha. Juanito na verdade é português, tendo emigrado a salto para Espanha nos anos 60, onde aprendeu a tocar castanholas, apesar de ser maneta pois tinha sido vitima de um atentado da ETA, vendo uma bomba escondida numa alheira de Mirandela explodir-lhe na mão num talho em Oviedo. Mais tarde ainda concorreu aos Ídolos, mas uma apoplexia no momento do casting retirou-lhe a hipóteses de actuar no Tivoli e, quem sabe, gravar um cd.
Todos estes factos se revelaram impossíveis de confirmar, pois o meu desconhecimento do caminho para Alcongosta levou a que, volta e meia, me tenha visto rodeado de neve e pessoas com um sotaque estranho e algo parecido a ursos de peluche na cabeça. Inicialmente ainda pensei que havia regressado a Almancil, mas afinal estava em plena Praça Vermelha, no coração de Moscovo.

O Vizinho

Sempre defendi a boa vizinhança, mas tenho algumas dificuldades em me relacionar com quem paga o condomínio, de forma tão regular que passa despercebida a minha dívida sempiterna, cuja razão explicarei um dia mais tarde. No topo dos condóminos a quem um “bom dia” da minha parte sai sempre com ares de pagamento de IRS atrasado e com juros de mora está o recém-chegado inquilino da marquise do 2º esquerdo.
De seu nome Filipe Fialho Fagundes, é um rapaz que impressiona ao primeiro olhar, mostrando ser um cruzamento entre um castor, com duas majestosas favolas a enfeitarem-lhe o beiço, e uma ameba, que sendo verdade que não é totalmente desprovido de massa encefálica, denota, impreterivelmente grandes dúvidas em fazer um uso mínimo dela, quando solicitado em conversas de escadaria, sendo que para ele a “perspicácia” é uma louca quimera, só ao nível da busca do Santo Graal ou da apanha dos gambuzinos. Talvez pense duas vezes antes de falar, mas não passam de dois pensamentos repentinos, sensivelmente iguais aos do suicida a três segundos de se travar de razões com o Alfa Pendular que faz a ligação entre o Pinhal Novo e a Funcheira.
De ar macambúzio e hálito de cebolada de peixe espada regurgitada, regada com o melhor vinagre Auchan, conta-se que em novo tinha um grande fascínio pelos carros, volantes e tudo o que pudesse ser conduzido, tendo-se empregado, muito cedo na Constrói-mos Lda. Empresa de Construção Civil e Obras Públicas, de onde saiu quinze anos mais tarde exibindo ao peito, ufano de orgulho, duas medalhas por condução exemplar de carrinho de mão e betoneira, bem como um diploma de participação num seminário sob o tema “Dicas e técnicas para manejo de Grua Telescópica e de Roldana”. Contudo os meios de transporte continuaram-lhe no sangue a povoar-lhe o espírito, pelo que enveredou pelo motociclismo, tornando-se proprietário de uma Zundapp Casal Boss. Segundo ele não há nada como o vento na cara, o cabelo ao deus dará, o penico na cabeça, o alcatrão na perna, o betadine e o fenistil na ferida e na queimadura.
Actualmente é empresário em nome próprio, assalariado de si próprio que, não raras vezes, se dirige à sede do sindicato para apresentar queixa da sua entidade patronal. Profissionalmente o seu sucesso é indesmentível, sendo um respeitado recolhedor de latas e cobres, líder de mercado na rua em que habitamos, a qual ele palmilha diariamente ao guiador de um carrinho de compras, comprado num leilão da PSP após ter sido apreendido a um agricultor da região de Oleiros na fronteira de Vilar Formoso que tentava contrabandear maçã golden e pêra rocha para Espanha.
Na última vez que me cruzei com este condómino no patamar das escadas no 1º andar vinha ele e seu carro de compras da jornada de luta em que se juntou a todos os outros camionistas deste pais numa greve que paralizou o pais e trouxe o mui nobre Filipe para os escaparates da imprensa por ser o único grevista a conduzir uma viatura amiga do ambiente.

A Neve

Eu bem pigarreei, estrebuchei e em última instância algemei-me ao bonsai que a minha mais que tudo tem na cómoda ao lado da televisão, ameaçando imolar-me, qual mártir palestiniano sem autocarro, mas nada a demoveu, estávamos de partida para 2 dias de férias no imenso frigorifico descampado da Beira Alta, onde o Viriato fazia a cabeça em àgua aos Romanos, tal como o Emplastro faz aos repórteres, e logo naquele fim de semana que eu tinha pensado passar a comer amendoins no sofá enquanto via o Campeonato do Mundo de Malha na Lage 2008.
Após o carregamento partimos altas horas da madrugada rumo à bola de nívea continental no nosso Renault 5, creme de la creme de todas as concentrações de tunning realizadas no território compreendido entre o Arade e o Gilão, rebaixado, jantes em policarbonato de composto de sódio, saias Bershka, aleron Airbus 747, naperon em bordado de Castelo Branco na chapeleira e a cereja no topo do bolo, um saco plástico cheio de decibéis áudio visuais devastadores que exalavam do aparelho sonoro da viatura, tal como pôde comprovar um casal de estudantes de Medicina Bio Degradavel que se aproximaram do meu machibombo ao mesmo tempo que Sting sussurrava a plenos pulmões “Roxanne” em falsete e dó menor, o que lhes valeu danos irreversiveis no aparelho auditivo, ao rapaz e um penteado meio caminho entre a Marge Simpson e a Whoopi Goldberg à rapariga. Para completar o cenário idílico só mesmo as asinhas de frango que a minha Maria fez para a viagem que acrescentou mais um tunning à viatura, óleo vegetal esparramado no volante, o que transmitiu toda uma sensação de insegurança à viagem.
À chegada a primeira tosse do veiculo, o primeiro engasgar e o que parecia uma pequena inadaptação ao clima não era mais que uma inflamação nos pistões, que o enviou para a mesa de operações durante 3 meses, e que teve consequências nefastas nas minhas rótulas e tendões, devido aos longos quilómetros que tive que palmilhar, de café em café em busca da sagrada mini Sagres durante os meses de baixa do meu fiel companheiro.
No que respeita ao deslizamento no manto branco montado em 2 tábuas a coisa correu bem enquanto mantive a cabeça no ar e os pés no chão. O pior foi quando as posições se inverteram e eu descobri a inadequação do vestuário que utilizava, o habitual para quando faço exercício à chuva, ténis, fato treino e fato de oleado. Optando pelo plano B instalei o nalguedo num saco plástico assente no nevado, na esperança que a maior proximidade com o chão diminuísse o atrito com a lei da gravidade, ideia que tirei da cabeça após os primeiros metros percorridos, durante os quais perdi o controlo do tobogã dos pobres, deslizando temerariamente por entre esquiadores de 1 e 2 tábuas em direcção ao granito impávido e sereno do rochedo local, onde, como consequência do choque, deixei 2 dentes, sangue e todo o meu orgulho.
A viagem de regresso, qual excursão a Fátima, foi feito num dos 55 lugares do Expresso Braga/Faro, com um saco de gelo na beiça e uma septuagenária à ilharga, orgulhosa do seu mais velho, arrumador de autocarros no terminal rodoviário de Loulé, sendo das poucas pessoas que sabem onde pára o autocarro das 18h30 para o Ameixial, que contudo se encontrava preso na cadeia de Faro por se ter pronunciado negativamente acerca do sabor dos Dom Rodrigos, o que foi considerado uma ofensa à população Algarvia.

As Eleições

Ah catano, a velha e doce democracia escrita e perpetuada em actos eleitorais, ao quais compareço sem excepção, sempre que estou habilitado para exercer o meu direito e desde que acorde a horas.
Por isso mesmo não faltei à chamada e escolhi aquele que penso ser o melhor Presidente da A.U.G., vulgo Associação da Unhaca Grande, da qual sou sócio fundador, nº15. Aliás, não fora um fungo que apanhei no dedo mindinho aos 19 anos que me fez cair a unha e obrigou a suspender a minha filiação e certamente estaria entre os primeiros 5 sócios. Por outro lado fui ajudado pela Deusa Fortuna quando, durante a montagem de uma mesa-de-cabeceira comprada em peças na Mestre Maco martelei a mão, falhando o dedo mindinho por uma….unha negra.
Candidatos haviam 2, Crispim Lourenço e Florêncio Semilhas, cada qual com a sua trupe de vice-presidentes e afins, fiéis admiradores da mágica unha latina e em alguns casos, das capilagens faciais muçulmanas.
Pessoalmente fui sensível ao apelo de Florêncio Semilhas e como tal votei em Crispim Lourenço, que, caso cumpra o prometido, irá dar seguimento aos anseios de todos os unhistas. Para além disto não pude deixar de reparar no asseio que Crispim demonstra em cavidades importantes como as orelhas e o nariz, não me recordando de ver nariz tão isento de muco nasal como o exibido na cara do meu Candidato, o que demonstra uma utilização irrepreensível da unha de 1,5 cm que tão orgulhosamente ostenta na mão esquerda. Conta-se que no pé direito podem ser vistas 5 unhas do mesmo tamanho.
Uma das principais causas por que nos batemos na A.U.G. é a inclusão das Unhas de Gel num regime especial de IVA, ficando assim livre dos 21% e estando mais acessível aos Unhistas da Terceira Idade que têm de cortar a sua unha natural por imposição dos Lares onde estão em regime de internato, tendo de recorrer ao unhedo artificial, para poderem enfrentar a vida social. Trata-se apenas de dar dignidade a quem já a não pode ter. Outra causa pela qual no unimos é a redução das cotas de produção de corta unhas, tesouras e limas na UE, colocando-a ao nível da produção de azeitona. Para que esta redução possa ter efeito é necessária, também, a redução das importações destes produtos vindas da China.
Por outro lado, de há 10 anos a esta parte que vamos entregando na Assembleia de Freguesia de Bensafrim a proposta de ser dado o nome de Bento Bentes a uma rua da localidade, homenageando assim um grande unhista, talhante que lascava pernas de presunto com o seu ex. libris.
Todas estas reivindicações poderiam de uma vez por todas chegar a bom porto, não fosse o caso de eu ter sido o único votante a colocar a cruz em frente ao nome de Crispim Lourenço, sendo que nem o próprio acreditou em si. De qualquer forma nada como uma tarde no sofá a limpar cavidades corporais para levantar a moral de qualquer unhista, especialmente se se comeu carne de porco ao almoço e se tem carne entre o meio dos dentes.

O Sonho

Martim Moniz – Ahhh bolas, madeira de azinho do Alentejo. ‘stantino vós tendes ai um machado, daqueles de puro ferro lusitano, fundido nas serralharias de Ponte de Lima, de el Rey D. Afonso Henriques?
Constantino – Não meu capitão, deixei-o em casa para o meu mais velho estraçalhar o monte de lenha que tenho lá no jardim, a tapar-me as buganvílias, que o Inverno está a chegar e promete ser agreste em Guimarães, terra de el Rey D. Afonso Henriques.
Martim Moniz – Raios me partam meu fiel escudeiro, estes rapazolas de tez morena são levadinhos da breca. Fecham-se dentro das amuradas e não deixam entrar os súbditos de el Rey D. Afonso Henriques. E que grizo faz por aqui, não devia ter vindo de calções e t-shirt, mas como el Rey D. Afonso Henriques me disse que íamos só dar um saltinho a Lisboa e depois seguíamos direitinhos para o Algarve, vim logo preparado para uma banhoca. Aliás, até tive umas aulinhas de inglês, não vá aparecer peixe graúdo das terras dos Saxões.
Constantino – Compartilho com vossa excelência toda a sua indignação. Contudo na minha mala de viagem não cabia mais nada. A minha Maria esmerou-se ao preparar-me a bagagem, para que nada me faltasse. Só espadas são 3, que isto com as humidades o espadario tem tendência a criar focos de ferrugem, que dificultam o corte de zonas mais expostas ao osso, como o peito. Tivéssemos já inventado o aço inox e isto não aconteceria.
Para encher ainda mais, estava escrito no Convite que o Dress Code para este evento incluía caneleiras em ferro, o que fez com que tivesse que trazer também o conjunto de braçadeiras em ferro, porque as de cabedal, mais leves e maleáveis, ficam mal com o ferro da canela.
Martim Moniz – Pois que não me conte mais nada bravo guerreiro, que eu nem espaço tive para carregar comigo um reles necessaire com desodorizante e fio dental, pelo que ando com restos de carne no meio dos dentes. Como fiel escudeiro de el Rey D. Afonso Henriques tenho que arcar também com a troucha dele, que me mandou sua esposa, ciente da humidade que cai à noite aqui por terras mouras. Veja com seus próprios olhos tudo o que carrego comigo, e que pertence ao nosso soberano, mantas, edredons, pantufas de noite, cinto de castidade de D. Mafalda de Sabóia, pij…
El Rey D. Afonso Henriques – Martim, que fazes tu com o cinto de castidade de minha consorte e Rainha de Portugal???????
Martim Moniz – Meu Rei, puro engano, não sei como explicar, coisas da vida direi, ahh e tal e coiso e fixe fixe era fugir daquiiiiiii……
Constantino – Martimmmm, Martimmm, a porta à sua direita, rápido que está a fechar, esconda-se....
Quando me aprestava para presenciar um momento decisivo para a história de Portugal fui subitamente acordado pela minha Maria, que tinha parado de assobiar pelo nariz, acordada pelo meu sonho entusiástico. Só voltarei a sentir tal entusiasmo no dia em que a caniche contrair uma doença venérea, que a impossibilite de roer as patas do pchiché dá sala.

O Julgamento

Ao fim de anos a fio de sofrimento, chegou finalmente o dia do julgamento da minha cunhada Florinda para pôr termo à sua sociedade conjugal com o meu, agora, ex. cunhado Gracindo, encerador de capôts de profissão, que tem para com as mulheres a mesma sensibilidade que 2 quilos de pedra pomes têm para os meus joanetes.
Para comemorar o que parecia consumado foi preparado pela minha esposa um banquete digno de reis, empestando as minhas assoalhadas habitacionais com um cheiro a fritos que só era atenuado pelo também omnipresente cheiro a pêlo de cão molhado, resultante de uma queda acidental do caniche na pia da cozinha, onde jazia a loiça suja de um almoço que havia contemplado feijoada. Acrescente-se este problema de olfacto ao alarido produzido pelas colegas de trabalho da minha cunhada, trabalhadora assalariada da Divisão de Salubridade da Câmara, vulgo varredora de espaços públicos e está identificada a causa da minha pressa em encaminhar todo o mulherio para o tribunal.
À porta do Domus Invstitiae comprei um combi de pipocas com natas e granizado de ameixa para ir degustando durante o espectáculo, que iria ser antecedido pela actuação do Grupo de Cantares ao Desafio da Costa da Caparica. Esteve também à disposição de todos um Workshop de Apanha de Agrião, ministrado por um antigo paparazzi que se viu obrigado a mudar de profissão com o fim da produção de cartuchos para máquinas Polaroid. Para os amantes da arte, o gabinete da porteira do tribunal estava aberto e lá se encontrava patente uma exposição de print screens com os mais diversos erros e bugs comunicados pelo Windows Vista.
Adquirido o bilhete, fiquei sentado na fila H cadeira 7, o que me deixou exactamente atrás de um pilar de estilo românico que destoava por completo no edifício de traça Gótica e que me impedia de confirmar os rumores que circulavam à minha volta, que diziam que a advogada de defesa estava na flor da idade e exibia cabelo escuro e uma mini saia, tornando difícil de explicar o voto de castidade que havia feito aquando da sua entrada para um Convento de Carmelitas ali para a zona de Foz Côa.
O julgamento decorreu de forma dramática com a Florinda a acusar Gracindo de anos a fio de maus-tratos, consumados em longas sessões de cócegas. Causou grande consternação na audiência a sua descrição daquela noite em que, segundo ela, o futuro ex marido chegou tarde a casa tresandando a leite com mel e pão com tulicreme, trazendo escondida atrás das costas uma pena de pombo correio, com a qual lhe fez cócegas nos pés durante 10 minutos, ficando ela com falta de ar devido a um súbito ataque de asma e com os pés em chaga, deixando também queimar um top da Hello Kitty cujo engomamento foi interrompido por Gracindo, ficando a peça de vestuário desgraçadamente esquecida debaixo do ferro ligado.
O resultado do julgamento só o soube horas mais tarde pois fui abruptamente convidado a abandonar a sala de audiências visto o meu ressonar estar a perturbar o normal funcionamento da sessão.

As Finanças

Fui convocado para comparecer na Repartição de Finanças. Quando li a carta a solicitar a minha presença em tão ilustre local estava, qual Menino Jesus a ver na tv o filme “Voando sobre um ninho cucos” com o Jack Nicholson a ter ataques de loucura maiores que os aumentos da Euribor, só comparáveis aos da minha ilustre esposa quando anteontem verti urina à base de cerveja no chão da casa de banho, devido a um estranho anti ciclone que apareceu na casa de banho, enevoando-me a visão.
Uma vez na Repartição de Finanças, local onde as cadeiras da sala de espera escasseavam perante tamanha multidão, havia pessoas sentadas no chão fazendo com que o local se assemelhasse mais a um festival de verão sem casas de banho portáteis nem drogas que a uma instituição estatal.
Inserido no sistema de senhas adquiri um heterónimo chamado “nº 326” e aguardei a publicação deste no placard informativo. Á minha frente tinha um padre que vinha resolver os problemas relacionados com a não declaração do dizimo, ao qual já tinha sido penhorado 1 frasco de Água Benta do Alardo, 4 pacotes de hóstias, 1 sacristão e 5 beatas, sendo que uma delas havia sido encontrada no quarto do dito pároco, usando apenas uma cruz para encobrir os seios e a púbis, que só por acaso também lhe tapava a cara.
Ainda à espera de vez para assomar ao balcão encontrava-se também um dono de circo que vinha comunicar a falência do seu ganha-pão, uma vez que uma altercação entre um elefante indiano e um elefante africano, acerca de qual das duas raças possuía uma tromba maior resultou na completa demolição da tenda do circo, bem como de 2 camiões e da jaula dos tigres, que tinham aproveitado a confusão para fugirem, estando agora sob custódia de uma associação de protecção dos animais que lhes iria dar apoio jurídico a fim de processarem o ex-tratador por danos morais, alegando que este lhes tinha chamado de hienas, há cerca de 2 semanas.
Lá dentro os funcionários encarnavam a profissão em todo o seu esplendor, estando um grupo envolvido num animado jogo de monopólio, no qual um dos jogadores caiu na casa prisão, utilizando uma cunha do chefe de repartição para desta sair sem que tivesse que pagar a coima estabelecida pelas regras do jogo, tendo em troca que garantir à filha do referido chefe um lugar de educadora de infância no jardim infantil onde a sua esposa laborava. Outro grupo assistia com indisfarçável deleite à actuação das cheer leaders do Sporting, de pompons nas mãos e pernas à mercê do frio que expirava do ar condicionado que lhes iriçava os pêlos desses mesmos membros inferiores.
Como desempregado não pode perder tempo com estas trivialidades e uma vez que tinha as minhocas em casa a morrer, decidi entregar a minha senha a um jovem vestido de coelho da Páscoa que tinha entrado depois de mim e dirigi-me até à marina para tentar apanhar umas tainhas para o jantar.

O Aguaceiro

Ah cum catano e de um momento para o outro o céu ribombou numa trovoada ainda mais lancinante que a Simone de Oliveira a cantar a Desfolhada, a caminho do Festival Eurovisão da Canção, ao que se seguiu um dilúvio de proporções bábicas, parecendo que as nuvens não eram senão uma matilha de São Bernardos a babarem-se para cima dos pobres desgraçados que haviam saído desprotegidos de casa, confiando no sempre falível Boletim Meteorológico, onde uma menina de cintura esbelta e um olho mais fechado que o outro, com um ananás na cabeça havia prometido sol tropical para o Continente, Madeira, Açores e colónias ultramarinas.
Apanhadas de surpresa pela borrasca, centenas de pessoas manifestavam-se na principal artéria da cidade contra o aumento do preço do WC Pato, empunhando cartazes com frases de ordem tais como “para uma sanita amiga do olfacto só com WC Pato”, que foram automaticamente atirados ao alcatroado assim que as primeiras pingas de chuva tocaram as mãos laceradas pela lixívia das donas de casa, que saíram em debandada geral, de braços no ar e aos gritos, num frenesim louco, como não se via desde a capitulação da Alemanha após a 2ª Guerra Mundial.
Como homem prevenido vale por dois, saí de casa totalmente desprotegido, tendo ficado mais ensopado que um borrego em cima de pão torrado em prato de barro, parecendo um toalhão de cliente Helena Miro acabada de sair do banho, de onde se poderia extrair água suficiente para matar a sede a toda a população da Eritreia, ou encher a albufeira de Cabora Bassa.
Se juntarmos a isto centenas de mulheres em estado de histeria colectiva a correrem sem destino definido, o cenário tornou-se grotesco, entrecortado aqui e acolá por Misses T-Shirt Molhadas 1948 no auge da menopausa, conduzindo habilmente os seus andarilhos para atingir o passeio e resguardarem as articulações e fígados minados pelo reumático e cirrose debaixo do toldo da farmácia, mantendo contudo distância de segurança para com a máquina de preservativos, não fosse o cheiro a látex entranhar-se nas suas puritanas roupas escuras e chegar ao nariz do sacerdote a quem confessavam todos os segredos, seus e dos vizinhos, provocando neste um sentimento de ciúme e de desarranjo hormonal com subida da maré de libido.
Ao fim de dez minutos bem contados o aguaceiro deu tréguas, dando-me oportunidade de regressar a casa a pé, dada a relutância por parte de taxistas em transportarem um poliban humano nos bancos coçados dos seus carros, carregando o corpo sob uma albarda em forma de roupa cujo peso aumentara drasticamente e que se revelaria decisiva num arrufo conjugal, que à falta de melhor tema, incidiu sobre as manchas de água sobre o chão de madeira acabado de encerar.

O Tomané

Acidentes acontecem a todos, mas a uns com mais frequência que a outros. Ao Tomané acontecem com a mesma frequência com que um doente de Parkinson treme o braço e entorna o copo com urina para as análises. O primeiro azar de que há memória envolvendo o “mártir de Bela Curral” foi precisamente quando ele deu por terminados os 9 meses de gestação e um fórceps nas mãos de uma parteira de qualidade duvidosa resultou num nariz à espera de cirurgia plástica para o resto da vida. Outro episódio a roçar o estapafúrdio deu-se quando foi viver sozinho num pequeno T0, depois de ter abandonado o lar matrimonial só com a roupa que trazia vestida e um necessaire com desodorizante e pensos higiénicos, revoltado com o tamanho das unhas dos pés da sua querida. Num ataque de dona de casismo, pôs a sua camisola do Sporting a lavar juntamente com roupa vermelha, tingindo o manto da vergonha com a cor sagrada. Uns dias depois, quando se candidatava a um emprego numa empresa de cablagens para automóveis, descobriu ser daltónico, sendo essa a única razão que fazia dele um vil lagarto, pensava que o equipamento era vermelho. Desde então diz-se adepto da briosa Académica, o negro das capas não dá azo a grandes confusões, excepto a tenebrosa mania de andar sempre de luto, recolhendo pêsames por todas as tascas e tabernas de que é frequente utilizador.
Desta vez a coisa foi grave, pelo que teve que ser internado, obrigando-me a pôr de lado uns pipis a escorrer em óleo vegetal e um chá de hortelã que eu consumia desenfreadamente na companhia da minha muito honrada esposa para o ir visitar á casa de saúde onde ele se encontrava a usufruir de cuidados médico-paliativos, decorrentes do facto de, à fuçanga de comer um bife de touro regado com um copito de Visconde de Borba, ter ficado com uma bandarilha encravada na garganta e outra já a caminho do baço, com o recto como objectivo a médio prazo, motivando o pobre Tó a optar por uma prisão de ventre voluntária, não fosse o diabo tecê-las.
Após uma breve viagem de elevador na companhia de uma idosa que gemia ao mesmo ritmo que respirava e uma enfermeira que exibia orgulhosamente a sua mono sobrancelha e o nariz perfurado de onde pendia uma pequena caveira, capaz de destruir qualquer fantasia sexual que me pudesse ressaltar no córtex, encontrei o Tó num quarto com mais 3 pacientes, num estado tal de introspecção que o julguei vegetativo. Preso ao braço a agulha que lhe providenciava, pela primeira vez em 10 anos, um liquido não alcoólico, criando-lhe conflitos insanáveis no organismo, mais habituado a géneros destilados.
A visita durou 2 minutos, tempo suficiente para me pedirem para abandonar o quarto pois um dos pacientes jazia morto na sua cama e era necessário proceder à transladação do mesmo para uma das câmaras frigoríficas da morgue. Durou tão pouco que ainda cheguei a casa a tempo de levantar a mesa e atirar ilegalmente os ossinhos dos pipis à caniche na esperança de que esta tivesse o mesmo triste fim do Tomané.

O Rapto

Há momentos sagrados e mastigar um tentáculo de polvo a admirar um quadril feminino desconhecido trespassar-nos a retina em direcção à córnea é um deles. Mas o que torna estes momentos sagrados especiais é o facto de serem interrompidos sempre idioticamente.
Naquela manhã fui interrompido ao 5º quadril por dois indivíduos que, munidos de uma caixa de fósforos da Boite “Princesa da Planície”, ameaçaram cremar-me caso eu me recusasse a entrar para a bagageira da Aixam Piaggio deles, ali mesmo em frente da loja de animais domésticos, em cuja montra um hamster atleta corria desenfreadamente na sua roda em vez de estar a ser injectado com uma qualquer bactéria para testes médicos, a fim de ajudar a Humanidade a escapar da extinção. Pela matrícula de Beja e pelo sotaque fiquei desde logo desconfiado que eles não eram franceses.
Quando se dignaram a interromper a sua conversa acerca dos melhores locais para a pesca do achigã, comunicaram-me o porquê daquele sequestro: eram produtores de batata alentejanos e esta situação era uma tomada de posição radical contra o que diziam ser uma das grandes injustiças do mundo. Segundo eles não havia direito de a Sopa de Feijão Verde ter o nome deste legume quando na sua composição só são utilizadas 250 gramas dele enquanto se utilizam 400 gramas de batata, sendo esta apontada como a verdadeira detentora do título da sopa, sendo vitima de uma cabala perpetrada pelo “lobby” das verduras, que não lhe permite fazer uso do privilégio com a justificação de que a batata é um legume castanho ou avermelhado. Maior injustiça só mesmo a Estátua da Liberdade estar há mais de 100 anos presa em Manhattan sem poder dali sair.
Compreendi a sua luta e solidarizei-me com ela, mas como não consumidor de sopa eu era inútil para eles. De que lhes serviria um acérrimo fã de lombo Mirandês e bifanas em vinha d’alho quando se tratava de uma sopa vegetariana? Infelizmente, não seria este pormenor a desbloquear a situação.
Sem perder mais tempo, os raptores lançaram o pedido de resgate exigindo que fosse editado em Diário da Republica a proibição de utilização da expressão “sopa de feijão verde”, bem como ordenada a apreensão de todos os menus onde esta constasse. Foi também pedido que fosse deixado um saco com 2 maços de tabaco L&M na soleira da porta do esconderijo secreto deles juntamente com um garrafão de 5 litros de gasolina sem chumbo 95, porque já tinham o transporte na reserva e tinham-se esquecido de parar para reabastecer.
Felizmente a televisão do nosso alojamento não tinha permissão de acesso ao sinal da Sportv, o que em dia de jogo do Benfica se revelou decisivo para o abandono da reivindicação e consequente libertação da minha pessoa.

O Negócio

O hino do Benfica em formato poli fónico a ressoar pelas paredes do meu quarto ás 5 da manhã só poderia significar uma de duas coisas: ou havia alguma urgência ou então era a minha tia Etelvina, emigrada há 54 anos na Austrália que se esquecera novamente do fuso horário e pretendia contar-me novas acerca do seu papagaio bilingue, que tanto dizia bom dia em Inglês como good morning em Português.
Após bambolear como gelatina pelo quarto com um olho coberto de ramela e um braço inerte por falta de circulação sanguínea, escutei num misto de surpresa e enfado, Laurindo a sussurrar-me ao ouvido que havia descoberto forma de encher os nossos bolsos com algo mais valioso que cotão e recibos de parquímetro de 20 minutos utilizados para 2 horas de estacionamento, num subterrâneo qualquer que se dignasse a alojar um carro que só a ferrugem exterior impede de ser classificado de clássico.
Na ânsia de regressar para o meu leito de sono onde a minha esposa se havia esquecido de colocar o penso no nariz, ressonando a plenos pulmões qual urso polar a proteger as suas crias do predador, anui a discutir o negócio ao almoço na taberna do costume.
Quando cheguei ao local combinado já Laurindo lá se encontrava, dividindo a sua atenção por uma asa de frango e a decoração interior do seu nariz, introspectando também acerca do significado dos caracteres chineses carimbados na omoplata da empregada tentando desta forma ludibriar o seu total absentismo escolar.
Após eu ser informado que filet mignon não fazia parte do cardápio e ter, em alternativa, pedido um bitoque e um chocolate quente, o meu futuro sócio passou a explicar ao que vinha. Havia descoberto um nicho de negócio inexplorado, onde ele pretendia entrar de pé em riste: as garraiadas. Laurindo propunha-se, recorrendo a subsídios europeus, a levar a festa brava a todas as feiras de velharias deste país, montando a arena entre uma banca de álbuns vinil de Nelson Ned e Susie 4 e um pano no chão que delimita o espaço reservado à colecção de colheres de pedreiro comidas pelo cimento do sr. Zé Joaquim. Segundo o meu ex. futuro sócio, já tinha sido apalavrada com um ganadeiro da Madeira a compra de 4 touros no ocaso da sua vida e 2 bezerros sub nutridos, aguardando só a chegada dos contentores que transportariam os animais juntamente com brinquinhos da Madeira, ao porto mais próximo.
Quando cruzei o umbral da porta em direcção ao granizo que caía desenfreadamente na calçada ainda Laurindo gritava, com um peito de frango na mão, que sempre podíamos aproveitar os instrumentos típicos da Ilha para formar uma banda de rock industrial, mas nesta altura a minha mente já só pensava no porquê de ter deixado o fato de oleado e as galochas em casa.

As Leguminosas

“Dasse ‘stantino, outra vez….” estrebuchou a minha jovem cara metade ainda de robe vestido e cabelo desgrenhado com evidente voz bagaceira, revelando um irritante desrespeito pelo meu já dilacerado aparelho auditivo. Não era a primeira nem seria a última vez que eu me enganava e comprava repolho em vez de alface.
O dia tinha começado terrível, com um convite por parte da fiel esposa para que eu me dirigisse ao supermercado mais próximo, haviam compras para fazer e ela tinha que levar Lulu ao veterinário pois a caniche estava com uma crise de stress, coisa que só ataca animais no limiar do ócio total e para os quais o mosaico só serve como cama, ignorando vozes, assobios e até, pasme-se, o ligeiro toque de ponta de bota vulgarmente apelidado de pontapé.
Supermercados e superfícies comerciais do género eram o meu calcanhar de Aquiles ou a rótula de Mantorras. Todos aqueles corredores continham em si um espírito Pombalino, ruas direitas a dar para praças, que de um lado tinham a secção de enchidos e carnes, onde um individuo ridiculamente vestido de branco exibia com desmesurado orgulho a sua faca afiada e transformava em bife uma vazia de vaca ou um cachaço de porco (ou na versão inversa, consoante a que esteja correcta), servindo assim os desejos da populaça identificada numericamente com senhas, lembrando os tempos do racionamento após o Crash de Wall Street. Na praça oposta eram compostas algumas das melhores sonatas monocórdicas que uma caixa de supermercado pode imaginar, entre bip bips e papel de recibo a escorrer para fora de registadoras como sangue do sobrolho de Apolo Creed depois de um gancho de direita de Rocky, cobrando ás donas de casa uma taxa de portagem de deixar em lágrimas o mais facínora dos serial killers americanos. Entre as duas praças, ruas povoadas de repositores, cuja única preocupação diária era não juntar na mesma prateleira arroz carolino e basmatic, e anjinhas patinadoras saídas de um qualquer catálogo de lingerie da La Redoute.
Neste cenário, facilmente qualquer movimento poderia redundar em desastre, mas desta vez houve sabotagem. Num conclave de deuses dispostos a tudo para atraiçoar todo e qualquer resquício de paz que me pudesse vaguear pela mente, decidiu-se colocar na zona das leguminosas uma tal de Mónica, rapariga de baixa estatura, faces morenas e sorriso malicioso que devido a um mais que provável embalsamamento cerebral decidiu que a separação dos dois tipos de legumes atrás citados eram tão contra natura como fazer uma gemada com clara e gema.
Como resultado deste desprendimento capilar da rapariga não me sobrou alternativa senão deslocar-me até à roulotte onde se trafica gordura e colesterol impunemente ao preço de tremoços para aí adquirir o meu hiper calórico repasto.

A Sogra

Um dia como tantos outros, tomei a decisão mais importante dos últimos 10 minutos, atravessar a ponte do “um dia destes eu…” e arremessar com a sogra para um lar.
Desde “o dia em que o acontecimento se deu” a nossa relação nunca mais foi a mesma. De facto ela nunca me perdoou o facto de eu, após mais uma noite de vigilância à cozinha, não lhe ter guardado uma pinga do carrascão costumeiro do pequeno-almoço, acompanhado por 2 sandes de banha de porco e paté de atum La Piara. Ultimamente as coisas pioraram, o raisparta da bexiga da velha tinha a impermeabilidade de um autoclismo sem borrachas, com a diferença que este vai escorrendo para a sanita que é onde a decrépita mulher nunca chega e os arrotos à mesa eram como pica paus a martelar no tímpano tal como num eucalipto carregado de koalas.
A filha da velha, rapariga por cuja carteira tive a infelicidade de me apaixonar numa tarde em que me dignei
a por de parte a minha acrofobia, histericou, só voltando a si uns minutos mais tarde, após 2 chapadas e uma ameaça contra a saúde da sua mais nova, Lulu (uma caniche com uma estranha mas evidente relação de afinidade com uma comunidade de pulgas da República Centro Africana) a quem eu já tinha prometido variadas vezes uma viagem ao Centro Comercial, na esperança de que esta se perdesse por lá de amores por um qualquer canídeo ranhoso que passasse por ela, de forma a que aquele pêlo encaracolado e polvilhado de trinca de arroz seco nunca mais se arrastasse pelo mosaico de nossa casa.
Trancada e atada a metediça da mulher ao banco traseiro (o porta bagagens deixou de ser opção por falta de Guia de Transporte), o pandeco pôs-se em movimento, largando atrás de si uma nebulosidade que fez a vizinhança apanhar a roupa da corda e esperar pela chuva. A meio do percurso paragem para abastecer o fiel corcel e dar um saltinho à carteira da cota, que serviço de táxi é pago e a gasolina tem que ser a dividir pelos ocupantes, não vão os trocos faltar mais tarde para a bica cheia no café do venezuelano, que na verdade não passa de um peruano exilado a recuperar de um Acidente Vascular Cerebral que fez dele um emigrante neo-nazi judeu e seguidor de Hugo Chávez.
Chegado ao depósito de velharias e ineptos o cheiro a mofo entranhou-se-me pelas narinas à velocidade do cheiro a fralda com diarreia. Numa sala com 1 sofá e 3 cadeiras ocupados por alguém que já fora outrora força motora de um país, o cenário só era colorido pelo descortinar, aqui e ali, de algum musgo e verdete, bem como de uma evidente mancha de vomitado em cima da mesa das cartas, onde 4 rapazolas de 80 anos jogavam à sueca.
Entregue o peso morto a uma enfermeira de poucas palavras, já na menopausa e a poucos anos de ocupar um dos lugares do sofá daquela sala, um “adeus e até um dia destes” foi o suficiente para virar costas e sair porta fora para a liberdade. Sentado ao volante do carroço a olhar o horizonte, uma sensação indescritível inundou-me os pensamentos…felicidade? Alegria? Indiferença? Era só mesmo dor de garganta, nada que um drop Dr. Bayard não resolvesse...

O Inicio

Normalmente os grandes negócios e as ideias fabulosas nascem de um de três fenómenos: o ócio, a insónia ou o consumo abusivo de substâncias estupefacientes, sejam eles canabinóides ou opiáceos, é preciso é que sejam narco-traficadas. Foi o facto de não ter sido atacado por nenhum destes fenómenos que me levou a escrever isto, enquanto aguardo que um relâmpago me atinja bem em cheio no osso occipital de forma a haver em mim uma erupção de criatividade e eloquência que torne qualquer destas palavras em algo mais tremendamente esfusiante e trepidante, poética e prosamente falando, ou escrevendo, conforme o ponto de vista adoptado pelo leitor desprevenido, que numa clara exibição de vida sem interesse perde tempo a ler todo um conjunto de palavras desconexas e de sentido descoordenado, revelador de um humor um tanto ou quanto a atirar para o parasitismo.
Obviamente que mesmo atingindo um nível de qualidade supremo estarei sempre abaixo de qualquer outro rascunho saído da caneta de um pilantra emigrado da Oceania que o entrega aos automobilistas parados no vermelho de um cruzamento louletano e onde se pede um donativo para uma menina loirinha que, azar dos azares, tem leucemia e precisa ser operada com muita urgência a um dedo indicador pois ao roer a unha trincou inadvertidamente o membro apontador ao ponto de criar uma pequena infecção cutânea que seria facilmente curada com um pouco de gaze e betadine, não fosse a incauta jovem ter tentado estancar a hemorragia com três pingas de uma especie de água rás, comprada no mercado do peixe, mais especificamente na banca da D. Amália, que só vende pargos e moliço, vindo directamente da Ria de Aveiro.
A verdade contudo é que o rascunho do pilantra emigrado da Oceania só seria melhor prosa aos meus olhos uma vez que aqui se aplica a teoria de que a “galinha da vizinha é sempre melhor que a minha”, que diga-se é bastante vasta e abrangente, pois pode-se inclusive aplicar a apêndices mamários. Não olvido de forma alguma que as “mamas das minhas vizinhas são bem melhores que as minhas”, apesar de neste ponto não ver a coisa com maus olhos. Gabo-me, inclusivamente em público, de ser pouco dotado ao nível da vulgarmente apelidada de prateleira, vestindo inclusive o mesmo tamanho de soutien que grandes vultos da história como Napoleão, D. Afonso Henriques, D. Nuno Álvares Pereira ou até Condoleeza Rice. Reza até a história de que a decisão do nosso primeiro Rei em esbofetear a progenitora e expulsá-la do território Portucalense se devia exactamente ao volume descomunal dos tecidos adiposos que D. Teresa exibia na zona confinada entre o pescoço e o umbigo, sendo este relatado, por alguns historiadores como sendo o primeiro caso de cirurgia plástica praticada no Mundo. Outros historiadores, especialmente de origem Al-Andaluza, contudo referem-se a este caso como uma situação típica de mutantismo, que deixou de olhos em bico Egas Moniz ao ponto de poder ser este o pai biológico do Conquistador.
De um ponto de vista mais sociopático a assumpção de que isto não seria mais que uma perda de tempo obteve uma muito aplaudida confirmação quando a mulher que tem uma aliança igual à minha me pediu para passear o caniche, mesmo apesar de lá fora chover mais do que na nossa banheira e eu ter respondido que não podia pois estava absolutamente ocupado a trabalhar. O desvio da verdade obviamente não pegou, pois ela vivendo 24 horas comigo sabia perfeitamente que estava a falar com a inscrição numero 12876 do Centro de Emprego, que coleccionava entrevistas falhadas de trabalho, por estes não serem empregos. Desta forma não houve como evitar o estrelaico e o passeio com o canídeo teve-se de fazer, mas graças ao teclamento de letras sempre consegui ganhar uns minutos extra, suficientes para presenciar o amainar da pluviosidade, o que contudo não evitou que tivesse que vestir o fato de oleado amarelo e as galochas que haviam sido propriedade do meu sogro, homem de 1,50m de altura com consequente pé pequeno, cerca de três números abaixo dos meus. Felizmente ao longo da evolução humana os dedos dos pés foram ganhando articulações de forma a poderem dobrar em situações de evidente aperto, sendo que o velho truque de não usar peúgas também ajudou, apesar dos efeitos olfactivos altamente danosos revelados no momento de descalçar o botim.
De qualquer forma esta breve interrupção da escrita para passeio nocturno com o quase animal da minha esposa não foi feito de animo leve e deveu-se a uma mais que necessária diminuição e controle de riscos visto que caso o defecamento do bicho fosse feito intramuros iríamos assistir a uma desnecessária explosão de adrenalina por parte da rapariga, afectando-me sobremaneira o aparelho auditivo. Sendo este um dos poucos sentidos que mantenho intacto, convém-me, com toda a certeza, preserva-lo.