quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O Clube

A ideia surgiu-me enquanto tentava fumar um penso de nicotina arrancado directamente do dorso amarelado pelo fumo da cadela da minha princesa, após ter entornado uma tigela de uns, normalmente, muito voluntariosos mas absolutamente intragáveis weetabix sobre o maço de tabaco numa noite de insónia, originada pelo facto de já ter a barba tão grande que me chega aos sovacos e faz cócegas a noite toda.

Acima de tudo o que me levou a avançar com a candidatura à presidência do Meu Clube foi o simples facto de já não recordar sequer as cores do equipamento do mesmo, pois nos últimos quatro anos, o meu bilhete anual tem sido para um lugar que fica situado por detrás do marcador manual em tabopan infiltrado por humidades e formigas, que a avaliar pelos estragos, serão descendentes das corrosivas térmitas africanas, onde o Sr. Teófilo, rapaz nos seus quarenta e poucos anos, portador de obesidade mórbida e coleccionador de uma vastidão de flagelos de índole física e mental, vai actualizando o resultado dos jogos, muito diligentemente mas com algum atraso motivado pela sua dificuldade de locomoção, que aliada ao facto dos jogadores visitados serem tão prendados técnico-tacticamente quanto um gorila paralítico acabado de importar dos Montes Virunga, faz com que variadas vezes tenha que ficar a actualizar resultados até duas ou três horas após o término dos prélios, o que levou a direcção da agremiação desportiva a instalar um trolley para confecção de cachorros quentes junto ao marcador para que o rapaz se possa ir alimentando durante a empreitada, pois a última coisa que se precisa é de um funcionário que sofra de subnutrição.

Dizem as mentes que fazem do boato uma profissão tão respeitada e admirada quanto um clérigo num bas-fond de alterne, que a velocidade que o Sr. Teófilo aplica na actualização do marcador é exactamente a mesma que ele aplicava nos seus idos anos de futebolista do Meu Clube, onde continua a ser recordado como o maior guarda-redes a sentar os seus jerrycans de celulite, vulgarmente apelidados de nádegas, no banco de suplentes do clube, isto quando o caminho balneário/banco era ainda feito em tempo útil, portanto aquele compreendido entre o apito inicial e o silvo final do árbitro, algo nunca conseguido nos primeiros sete jogos após as festividades do Natal e Ano Novo, por razões nunca explicadas, mas que certamente terão estado na origem da sua proibição de comparecer nos jantares de Natal da equipa.
Felizmente para o Teófilo que, apesar de ter maior entendimento de modalidades como o corredor da morte ou ténis-à-parede do que de futebol, é quem me vai relatando as incidências das partidas que o Meu Clube disputa no seu quase-recinto desportivo, os últimos plantéis da equipa da qual sou sócio, têm sido constituídos por jogadores que denotam a mesma propensão para o jogo do século que o pobre Teófilo calçado com havaianas, uma algália numa mão e um frasco de soro na outra. Desta forma o bom do Teófilo apenas tem que actualizar o marcador com os golos adversários, bastando-lhe para isso vestir uma t-shirt numerada a cada golo adversário, até porque ele tem metade do tamanho do placard, sendo que uma estratégica colocação no lado a bombordo do dito marcador, usualmente reservado ao visitante é suficiente para informar a marcha do resultado.

Apesar da capacidade exibicional da equipa do Meu Clube andar por níveis mais baixos que um termómetro na Sibéria Setentrional, na última temporada o bom do Teófilo viu a sua destreza física e porque não dize-lo, mental, ser colocada à prova por duas vezes, nas quais foi obrigado a alterar a numeração no marcador da minha equipa. Isto sucedeu nas duas vezes em que o adversário chegou à dezena de golos e, visto ele só ter t-shirts até ao número 9, optou por assinalar o algarismo das unidades em si próprio, aproveitando o porte que Deus e vinte e duas tortas de Azeitão por dia lhe deram, e colocar o algarismo das dezenas ao espaço habitado por um casal de cegonhas, que nos tempos áureos da equipa da casa estava reservado para a exposição do número de tentos facturados pelos seus outrora prolíferos atacantes.

A decisão de partir para a candidatura única à presidência do Meu Clube é o lado mais simples da mesma, mais exigente será constituir uma lista, isto tendo em conta que terei que a constituir a partir de um grupo de indivíduos habituais frequentadores de uma comissão de linchamento da minha pessoa, cuja primeira reunião se deu no dia em que, devido ao repentino aparecimento de uma flash-mob no pavimento betuminoso da estrada de acesso ao estádio do Meu Clube, em dia de jogo, fui obrigado a guinar repentinamente a direcção da minha bicicleta, acertando em cheio com a antena do auto-rádio no olho direito de Adelmiro, o sumo-pontifice da nossa equipa na arte de abanar as redes adversárias e último individuo presente na memória colectiva das bancadas a facturar um tento sem ser na sua baliza, já lá vão quase sete anos. Só a rápida acção de um oftalmologista impediu o fim prematuro da carreira desportiva do atacante, mesmo que actualmente ele seja obrigado a entrar em campo com óculos de mergulho graduados. Pior fiquei eu que nunca mais consegui sintonizar o meu auto-radio em FM, estando desde então confinado a rádios de qualidade mais que duvidosa em emissão AM. Naquele dia, toda a massa adepta me considerou culpado pela goleada sofrida pela equipa da terra, pois desfalquei-a do seu melhor elemento, ou pelo menos, daquele que menos erros comete durante o exercício da sua função de avançado, uma vez que só muito esporadicamente a sua intervenção na partida ultrapassa a escolha de campo antes do apito inicial, tal é a falta de caudal ofensivo da turma da casa.

A decisão é difícil, mas para reduzir o número de candidatos a integrar a lista, tomei a decisão mais complicada do meu ainda curto reinado de candidato e exclui logo à partida todos os responsáveis pelo arremesso de archotes em chamas para dentro da casa dos meus vizinhos do rés-do-chão. Estes seriam destinados ao meu lar, mas o latido voraz, assassino e intimidador da caniche da minha esposa fez a turba recuar de medo, pelo que os ditos archotes foram lançados a tal distância que a força de deslocamento deles foi incapaz de superar a força da gravidade e o que chegou a ser visto a caminho do terceiro andar em que resido, foi posteriormente recolhido pelos bombeiros sapadores no incinerado rés-do-chão dos meus colegas de condomínio.