sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Lema

Saí a correr de casa, apenas com um saco de espinafres a tiracolo e uma mochila com a roupa suja que já não cabia no tanque, para entregar no Exército de Salvação, em direcção à minha sede de campanha, que estava instalada no bunker nuclear da cidade, o qual havia sido embargado pela Câmara local três dias após o inicio da sua construção devido a diversos problemas estruturais, entre os quais o facto de não estar enterrado na crosta terrestre, a coincidência de o local da sua construção já ter sido previamente ocupado pelo buraco nº 7 do Golf Course local e também porque o único “betão” que fora aplicado na sua construção ser o próprio proprietário do edifício, um minhoto paranóico natural de Tel Havive, que havia sido baptizado com esse apelido por, desde pequeno, pentear o cabelo à tigela e vestir calças à meia canela. Infelizmente para ele, ao segundo dia de trabalhos foi atropelado pelo buggy das sandes que havia ficado destravado no tee de partida no topo da colina, onde um palestiniano de kilt fúchsia e branco ameaçava detonar os balões de água que trazia à cintura se o condutor do buggy não lhe providenciasse uma gelatina de Três Sabores envolta em leite-creme. Após uma autópsia que revelou como causa de morte sufoco por engasgo com um chumbo de dente que se havia soltado após o impacto da viatura eléctrica, o óbito foi declarado por um estudante de medicina dentária que trabalhava no campo de golfe como limpa bolas durante as férias do verão, seguindo-se o cumprimento do último desejo do Betão que consistia em ser enterrado no seu bunker, tornando-se o elemento mais sólido do edifício e também, o único a quem um ataque nuclear não iria atingir pois apenas ele fazia companhia às raízes da vegetação no subsolo terrestre.

Ali escondido na escuridão do bunker, onde apenas conseguia enxergar o meu próprio nariz durante cerca de dez minutos, que era a duração da energia solar na estrela fosforescente colada no tecto do edifício, recapitulei o momento do anuncio da decisão à minha esposa, que malgrado ter aceitado muito bem a noticia, me custou três divórcios e outros tantos casamentos com ela, correndo o risco de este número poder aumentar no exacto momento em que ela despertar do seu quarto coma motivado pelo impacto do seu esbelto crânio com o pavimento lustroso da nossa habitação após o seu quarto desmaio relacionado com o facto de eu lhe ter comunicado, também pela quarta vez, a minha famigerada decisão. É certo que poderia já ter optado por lhe comunicar a boa nova quando ela estivesse confortavelmente deitada no nosso leito matrimonial, mas o medo de a decisão de divórcio ser, desta feita, irreversível, impede-me de o fazer e agora apenas me limitarei a entabular a dolorosa conversa quando ela se encontrar com a caniche ao colo, na eterna esperança de a ver prostrada em cima do abominável animal, poupando-me assim a vergonha de ter que percorrer a distancia entre a loja de comida para animais e a minha casa com um pacote de quinze quilos de comida para peixe, pois o bichano ainda não tem o seu “eu” perfeitamente identificado e nos últimos tempos desenvolveu uma paixoneta de adolescente por qualquer animal de guelras e escamas que a minha donzela coloque na tábua de cortar, a fim de preparar o nosso repasto.

Foi embrenhado no meio destes pensamentos que choquei de frente contra o primeiro grande desafio eleitoral, a que tinha que corresponder com a mesma solicitude e pragmatismo que aplico aos momentos épicos da minha vida quotidiana, como a árdua opção de abandonar o uso da vulgar cueca de pano aparrada à virilha e dar a exclusividade da protecção genital aos boxers de tecido elástico, mas acetinado, mais condizentes com as dinâmicas dimensionais e de ocupação de espaço na zona, decisão que me levou alguns anos a acolher mas a que acabei por aceder de livre vontade após conselho paroquial. Agora nem o ai-Jesus dos acólitos do bairro me poderia valer, pois precisava limpar o caruncho da minha massa encefálica e engendrar um lema que levasse os cerca de oito sócios do Meu Clube a colocar a cruz mágica em frente ao meu nome, em vez de pedirem ao Sr. Cruz mais um saco de pevides para verem o próximo jogo de um clube sem Direcção, algo que não havia impedido a sua subsistência desde a fundação, onde já na altura, a votação magna havia sido substituída por uma garrafa de pirolito Bilas e umas azeitonas britadas.

Já dizia o meu colega de carteira do 7º ano, do alto de toda a sua sapiência de professor catedrático da universidade do encosta ao balcão taberneiro, que “mente sã e corpo são ajudam a aguentar a alcoolização”. Dizia-o exibindo, com o mesmo orgulho que um militar graduado expõe a sua distinção da Ordem de Torre e Espada, a folha A4 onde um médico de charuto na boca e um dedal de moscatel destilado numas águas furtadas num canto recôndito da Beira Baixa raiana na mão, havia escarrapachado o severo diagnóstico de cirrose terminal, que lhe cortava a direito e sem anestesia os horizontes do futuro, ao ponto de o ter levado a contrair matrimónio aos catorze anos para poder procriar um herdeiro, a quem contava vir um dia a confiar aquele pedaço de papel, já emoldurado, que fazia dele o Casanova das filhas dos empresários do ramo da produção e contrabando de bebidas à base de cereais e legumes excedentes das quotas de produção impostas pela UE, instigadas pelos seus progenitores a trazerem para casa alguém que estaria sempre mais preocupado em lhes deixar todas as suas posses em troca de um mata-bicho hortofrutícola de alto teor etílico, do que em lhes dar a santa machadada nas regalias hereditárias das suas descendentes, sendo que no que tocava à Guerra das Espirituosas, como viria a ser chamada pelas autoridades, um hímen tinha o mesmo valor que um soldado raso na batalha de La Lys.

Na verdade durante a minha juventude nunca entendi o verdadeiro significado da expressão utilizada até à exaustão pelo bom do Meio-Fígado, como era pomposa e carinhosamente tratado por todos aqueles, que como eu, tinham prazer em partilhar com ele uma partida de Malha no Bicho, mesmo considerando que a partir da segunda semana de aulas o famigerado jogo popular foi rebaptizado com o nome de Malha no Meio -Fígado, o que reflectia a afeição que todos nós tínhamos por ele, a ponto de baptizarmos uma das nossas diversões supremas com o seu nome. A verdadeira compreensão da dimensão das palavras dele só me chegou já adulto e quase literato, na corrida a algo mais que a presidência do Meu Clube, algo como um espaço no betão coçado da bancada central, onde pudesse em fim ver ao perto as diatribes do conjunto do meu coração e poder ofender com aproposito toda a dignidade do árbitro da partida. 

Para mal dos meus pecados, a devida compreensão do significado da expressão utilizada pelo jovem alcoólatra abateu-se sobre a minha cabeça à mesma velocidade que a calvície, apesar de não ter a mesma relação que esta tinha com a exposição a uma garrafa de vodka, com níveis mais elevados de urânio do que o autocarro de transporte de operários das minas da Urgeiriça ao fim de um dia de trabalho, que havia sido importada da Ucrânia por um siciliano a quem tinha sido adjudicada em concurso público o aluguer da casa de banho de serviço da garagem do nosso prédio, onde ele gere um, muito bem-sucedido, negócio de desmembramento e ocultação de cadáveres. Definitivamente só entendi o erro de análise que havia feito ao adágio do Meio-Fígado após acabar de o adoptar e escrever, como lema de campanha, em 10.000 panfletos artesanais, feitos nas costas de bilhetes do comboio-fantasma que haviam sido adquiridos há uns cinco anos, para proporcionar novas experiências à minha sogra, especialmente a sensação de falecimento após sentir o braço esquerdo dormente e uma leve picada no local onde, na altura, eu pensava existir algum órgão provocador de batimento cardíaco, o que mais tarde se veio a perceber ser um erro de julgamento da minha parte, pois todo o dinheiro investido na diversão apenas resultou num hediondo desgrenhamento capilar no toutiço da idosa, que a transformou na maior atracção do dito comboio-fantasma, sem que contudo eu obtivesse algum lucro fiduciário do acontecimento.

Agora, cometido o enésimo erro da minha vida, restava-me esperar que a elevada taxa de analfabetismo na massa associada do Meu Clube facilitasse a minha subida ao poleiro, até porque eu lá estaria à boca da urna a garantir-lhes que a colocação da cruz no quadrado em frente do meu nome seria a decisão que mais facilmente lhes garantiria o alivio do aperto de pescoço que as minhas mãos lhe estariam a facultar, bastando-lhes que o dito rabisco fosse igual ao que haviam feito no respectivo bilhete de identidade.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O Clube

A ideia surgiu-me enquanto tentava fumar um penso de nicotina arrancado directamente do dorso amarelado pelo fumo da cadela da minha princesa, após ter entornado uma tigela de uns, normalmente, muito voluntariosos mas absolutamente intragáveis weetabix sobre o maço de tabaco numa noite de insónia, originada pelo facto de já ter a barba tão grande que me chega aos sovacos e faz cócegas a noite toda.

Acima de tudo o que me levou a avançar com a candidatura à presidência do Meu Clube foi o simples facto de já não recordar sequer as cores do equipamento do mesmo, pois nos últimos quatro anos, o meu bilhete anual tem sido para um lugar que fica situado por detrás do marcador manual em tabopan infiltrado por humidades e formigas, que a avaliar pelos estragos, serão descendentes das corrosivas térmitas africanas, onde o Sr. Teófilo, rapaz nos seus quarenta e poucos anos, portador de obesidade mórbida e coleccionador de uma vastidão de flagelos de índole física e mental, vai actualizando o resultado dos jogos, muito diligentemente mas com algum atraso motivado pela sua dificuldade de locomoção, que aliada ao facto dos jogadores visitados serem tão prendados técnico-tacticamente quanto um gorila paralítico acabado de importar dos Montes Virunga, faz com que variadas vezes tenha que ficar a actualizar resultados até duas ou três horas após o término dos prélios, o que levou a direcção da agremiação desportiva a instalar um trolley para confecção de cachorros quentes junto ao marcador para que o rapaz se possa ir alimentando durante a empreitada, pois a última coisa que se precisa é de um funcionário que sofra de subnutrição.

Dizem as mentes que fazem do boato uma profissão tão respeitada e admirada quanto um clérigo num bas-fond de alterne, que a velocidade que o Sr. Teófilo aplica na actualização do marcador é exactamente a mesma que ele aplicava nos seus idos anos de futebolista do Meu Clube, onde continua a ser recordado como o maior guarda-redes a sentar os seus jerrycans de celulite, vulgarmente apelidados de nádegas, no banco de suplentes do clube, isto quando o caminho balneário/banco era ainda feito em tempo útil, portanto aquele compreendido entre o apito inicial e o silvo final do árbitro, algo nunca conseguido nos primeiros sete jogos após as festividades do Natal e Ano Novo, por razões nunca explicadas, mas que certamente terão estado na origem da sua proibição de comparecer nos jantares de Natal da equipa.
Felizmente para o Teófilo que, apesar de ter maior entendimento de modalidades como o corredor da morte ou ténis-à-parede do que de futebol, é quem me vai relatando as incidências das partidas que o Meu Clube disputa no seu quase-recinto desportivo, os últimos plantéis da equipa da qual sou sócio, têm sido constituídos por jogadores que denotam a mesma propensão para o jogo do século que o pobre Teófilo calçado com havaianas, uma algália numa mão e um frasco de soro na outra. Desta forma o bom do Teófilo apenas tem que actualizar o marcador com os golos adversários, bastando-lhe para isso vestir uma t-shirt numerada a cada golo adversário, até porque ele tem metade do tamanho do placard, sendo que uma estratégica colocação no lado a bombordo do dito marcador, usualmente reservado ao visitante é suficiente para informar a marcha do resultado.

Apesar da capacidade exibicional da equipa do Meu Clube andar por níveis mais baixos que um termómetro na Sibéria Setentrional, na última temporada o bom do Teófilo viu a sua destreza física e porque não dize-lo, mental, ser colocada à prova por duas vezes, nas quais foi obrigado a alterar a numeração no marcador da minha equipa. Isto sucedeu nas duas vezes em que o adversário chegou à dezena de golos e, visto ele só ter t-shirts até ao número 9, optou por assinalar o algarismo das unidades em si próprio, aproveitando o porte que Deus e vinte e duas tortas de Azeitão por dia lhe deram, e colocar o algarismo das dezenas ao espaço habitado por um casal de cegonhas, que nos tempos áureos da equipa da casa estava reservado para a exposição do número de tentos facturados pelos seus outrora prolíferos atacantes.

A decisão de partir para a candidatura única à presidência do Meu Clube é o lado mais simples da mesma, mais exigente será constituir uma lista, isto tendo em conta que terei que a constituir a partir de um grupo de indivíduos habituais frequentadores de uma comissão de linchamento da minha pessoa, cuja primeira reunião se deu no dia em que, devido ao repentino aparecimento de uma flash-mob no pavimento betuminoso da estrada de acesso ao estádio do Meu Clube, em dia de jogo, fui obrigado a guinar repentinamente a direcção da minha bicicleta, acertando em cheio com a antena do auto-rádio no olho direito de Adelmiro, o sumo-pontifice da nossa equipa na arte de abanar as redes adversárias e último individuo presente na memória colectiva das bancadas a facturar um tento sem ser na sua baliza, já lá vão quase sete anos. Só a rápida acção de um oftalmologista impediu o fim prematuro da carreira desportiva do atacante, mesmo que actualmente ele seja obrigado a entrar em campo com óculos de mergulho graduados. Pior fiquei eu que nunca mais consegui sintonizar o meu auto-radio em FM, estando desde então confinado a rádios de qualidade mais que duvidosa em emissão AM. Naquele dia, toda a massa adepta me considerou culpado pela goleada sofrida pela equipa da terra, pois desfalquei-a do seu melhor elemento, ou pelo menos, daquele que menos erros comete durante o exercício da sua função de avançado, uma vez que só muito esporadicamente a sua intervenção na partida ultrapassa a escolha de campo antes do apito inicial, tal é a falta de caudal ofensivo da turma da casa.

A decisão é difícil, mas para reduzir o número de candidatos a integrar a lista, tomei a decisão mais complicada do meu ainda curto reinado de candidato e exclui logo à partida todos os responsáveis pelo arremesso de archotes em chamas para dentro da casa dos meus vizinhos do rés-do-chão. Estes seriam destinados ao meu lar, mas o latido voraz, assassino e intimidador da caniche da minha esposa fez a turba recuar de medo, pelo que os ditos archotes foram lançados a tal distância que a força de deslocamento deles foi incapaz de superar a força da gravidade e o que chegou a ser visto a caminho do terceiro andar em que resido, foi posteriormente recolhido pelos bombeiros sapadores no incinerado rés-do-chão dos meus colegas de condomínio.

sábado, 25 de junho de 2011

Os Exercicios

Não sou um tipo muito dado a exercícios para além do habitual abrir e fechar de boca solidário em frente ao aquário da sala, apesar de estar habituado a correr em dias de maior ventania, sendo que nem sempre corro para o lado que pretendo. Digamos que a fronteira da força de vontade de alguém que, pesa sessenta quilos nos dias em que acorda com a neurose do coleccionismo de cascalho, deve andar à volta de rajadas de quarenta a cinquenta quilómetros/hora, isto, claro enquanto as pernas não vergam à força dos quinze quilos de calhaus acumulados nos bolsos. É que a força de vontade de um indivíduo estatelado no passeio na posição de frango assado só aparece esporadicamente quando um jardineiro esquece a enxada com o cabo em posição erecta, como se houvesse visto um sacho em ferro galvanizado e cromado, bem no meio da calçada. Em todo o resto do caminho resta-nos esperar que aquele workshop intensivo de pombo-correio na Feira do Campo do Cachopo tenha valido a pena para que se possa regressar a casa. Já que mais não seja, o anel identificativo na pata vai ajudar muito no momento de pedir instruções.


Como já me havia avisado o veterinário da bichana da minha mulher, ou como diz na porta dele, o Sr. Ginecologista, todo o exercício másculo não se deve estar dependente de três factores tão subjectivos como são a força da natureza, a parca memória do peixe comprado na Loja da Ana Teresa ou a posição de missionário, que essa está destinada à reza. Segundo ele, no futuro eu poderia vir a sofrer de atrofia muscular, para além da que já se manifesta a nível cerebral, especialmente nos primeiros 5 minutos da visita ao Lar para ver a minha sogra, até porque nos restantes 2 minutos em que me aguento no quarto já só estou a pensar se a velha iria espumar muito da boca se, acidentalmente, uma das minhas mãos lhe colocasse uma caixa inteira de Lorazepam na boca, ao mesmo tempo que a outra a obrigava a engolir o apetitoso farnel de fabrico laboratorial. Na verdade, ela já poucas vezes me dirige a palavra e eu noto que a nossa relação não é a mesma desde que lhe ofereci, pelos anos, o livro “Anita e a Injecção Letal”.


Ainda na abalizada e muito respeitosa opinião do homem a quem eu deixo metade do meu subsidio para me garantir que eu não ando a brincar em parques de diversões com baloiços enferrujados, a atrofia muscular poderia vir a resultar em momentâneas perdas de força nos membros inferiores e limitações ao nível de reflexologia, dando-me de barato uma bestial desculpa para utilizar todas as manhãs em que a minha donzela me encontra prostrado de nariz e pêlos do peito no mármore do patamar do nosso andar, após uma bela noite regada com o mais carrascão néctar de cereja e morangos, mesmo apesar de ela nunca acreditar, até porque os dentes tingidos a vermelho são os mais perfeitos delatores de uma noite de borga no Aloxi Bar, local onde experienciei os melhores momentos de atrofia muscular a nível de membros inferiores e onde pela primeira vez vi os efeitos da falta de exercício ao nível dos reflexos.


O Aloxi Bar é propriedade do Zé Matreco, que ao contrário do que o nome indica detesta matraquilhos. Para ele a única mesa onde se devem decidir jogos de bola é a de cabeceira, fiel depositária do pagamento de uma noite de coboiada entre uma concubina com sotaque e um agente da autoridade arbitral e onde este deverá levantar a respectiva factura a fim de pedir reembolso àqueles a quem ficará a dever umas miopias momentâneas durante 90 minutos.


O Ze Matreco é, a titulo de curiosidade, uma personagem bem peculiar, nascido como Itamara dos Reis em Maceió dos Anjos, bem no centro da Selva Amazónica, tendo trocado de sexo após um surto de candidiase vaginal na sua tribo, transmitida por 2 guatemaltecas que andavam na apanha da borracha, ou como é comummente chamada esta actividade nas zonas do interior de Terras de Vera Cruz, viviam do sexo seguro em troca de dinheiro. Com a desflorestação agressiva da grande floresta, a borracha começou a ser escassa e o látex passou a ser utilizado apenas pelos ancião da aldeia, pois assim garantiam uma maior durabilidade do mesmo, algo só alcançável por aqueles que pouco uso lhe davam. Malgrado este factor, a vida tem que ser tocada para a frente, a praga tornou-se incontrolável e Itamara tomou o ônibus em direcção ao sexo forte e o avião em direcção à Europa. Em Portugal abriu o seu boteco a que deu o nome de Aloxi Bar, que lido ao contrário é “Rabixola”. Ao contrário do que o nome possa indicar, este não é uma referência a si, mas sim aos 7 que passaram 4 anos de férias no Hospital de São José após terem sido atropelados pelo 32 da carris, conduzido pelo Zé Matreco durante uma marcha do Orgulho Gay. Ainda hoje ele exibe no seu bar o para brisas do autocarro todo autografado a purpurinas saídas das bem barbeadas bochechas dos acidentados.


Foi assim, aqui neste antro de podridão e falta de limpeza que senti pela primeira vez a falta de reflexos atingir-me violentamente, apesar que não tanto quanto o cálice de iogurte-cerveja que fez da minha cana do nariz um acordeão a ser tocado por um duende a calçar havaianas. Basicamente, estava eu à conversa com o Tó Matreco, que como o nome indica, é filho do Sr. João Coelho, um dos maiores artesãos do país na área do corte manual de pavimento cerâmico, sendo que começou a trabalhar peças de tamanho 1,20m x 1,20m mas que neste momento, por ser vitima de uma retinite pigmentar galopante, apenas produz ervinel para piscinas tamanho 0,25m x 0,25m. Enquanto discutíamos a exequibilidade de uma modalidade desportiva que mesclasse o poder de arremesso da corda de um berimbau com a galhardia picadora de uma seta em direcção a um alvo estampado na rótula de um qualquer assalariado, ressalvando a vantagem de se poder colocar à porta do bar um cartaz a anunciar música étnica ao vivo, ouviu-se um grande alarido vindo do bengaleiro.


Em causa estava a recusa do empregado do bengaleiro em aceitar guardar no seu espaço um andarilho de um idoso de 27 anos, contrapondo este que o propósito do andarilho era o mesmo de uma bengala, apenas com um tamanho mais abrangente, pelo que seria elegível para passar a tarde junto dos casacos, bengalas, kalashnikovs e bolas chinesas que a clientela tinha ali depositado. A meio da discussão foi arremessado um cálice de iogurte-cerveja, que como o nome indica, era uma mistura de leite com chocolate e coca cola. Na verdade eu vi o objecto em voo picado na minha direcção, qual Morimoto Matsuiama a carregar sobre o USS Arizona. Posicionei a boca para ingerir o líquido, mas não estava preparado para o efeito. O que eu pensava que era uma bola rápida, era afinal uma bola curva, que foi como ficou o meu nariz, com mais curvas que uma estrada serrana. Uma vez mais ficou provado que o meu jeito para o desporto era bastante limitado.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O Vicio

Estou com dificuldades em dormir e a principal causa desta situação não é a rudeza do guardanapo que utilizo para limpar a baba que a cadela da minha mais que tudo insiste em despejar na minha bochecha, enquanto arfa o seu hálito de restos do nosso jantar de ovos escalfados com ervilhas directamente no meu nariz. Sinto o meu estômago passear alegremente, como que a saltitar numa praia, a duas milhas náuticas de um naufrágio com derramamento de um petroleiro, pelo meu abdómen fora, qual monge acabadinho de ser excomungado da Igreja Católica, após se aperceber que o voto de castidade acabou de ir para o galheiro e que, por isso, pode começar a preencher os papéis de divórcio da sua mão direita pois a partir de agora vai passar a dançar o corridinho a dois, a três ou a quatro.


Tudo isto porque sinto a minha relação com os meus vizinhos deteriorar-se a cada dia que passa, de tal forma que já tenho saudades dos olhares de soslaio que estes me lançavam nos tempos em que eu, à sorrelfa, lhes misturava a roupa na lavandaria do condomínio, acto que fez com que o Sr. Apolinário usasse durante quase quatro meses as cuecas fio dental da filha do Sr. Laurindo, por estas lhe terem ficado enroladas nos pêlos anais, após as ter vestido, naquele que ele chamou um "acidente" derivado do facto de serem da mesma cor dos seus boxers, o inconfundível branco virginal de quem já não o é.


O facto de a cuequinha encarcerada em tão recôndito local ser de renda, levantou na altura, diversas insinuações acerca do têxtil de fabrico dos boxers do homem, mas acima de tudo, a troca de lingerie conduziu a uma campanha de difamação da minha pessoa, orquestrada pelo infame Apolinário, que chegou ao ponto de ser colada na porta de entrada do prédio uma comunicação que informava todos os condóminos que eu, Constantino, havia sido visto a consumir maça Bravo Esmolfe no almoço de comemoração dos 23 anos do aparecimento do bigode da D. Antónia, quando era pública a minha preferência por maça Golden. Acima de tudo, sempre reneguei e continuarei a renegar a Bravo Esmolfe pois de tão pequena que é, praticamente se evapora à passagem do desencaroçador. E não mudarei a minha opinião, não ser que a indústria dos utensílios de cozinha se decida a produzir um com um raio de acção bem menor, permitindo-me degustar um pouco mais do que a casca verde do fruto.


Desta feita o desagravo da vizinhança deve-se ao único vicio que actualmente alimento, isto, claro, após ter feito tratamento ao meu anterior vício de observar o crescimento das minhas unhas dos pés, o que me custou o despedimento do emprego por absentismo, bem como o aumento do meu peso em três quilos e duzentas por sedentarismo, sendo que no final não entendi a lentidão de todo o processo, talvez por idiotismo. Assim, a única coisa que me faz fugir às minhas obrigações, é assar fofos cubos de marshmalow no hall de entrada do prédio, tendo, por isto, sido denunciado por diversos condóminos, revoltados com o facto de eu só utilizar acendalhas de petróleo, em vez das ecológicas, o que deixa um cheiro a plataforma petrolífera em todo o fogo habitacional, que por sua vez, está a provocar o deslocamento de especialistas em exploração do ouro negro para o local a fim de estudarem a existência de reservas abundantes do minério em questão.


Acima de tudo a causa da ira dos vizinhos é a escassez de lugares de estacionamento que esta demandada de estranhos está a provocar, até porque o estacionamento subterrâneo do prédio continua totalmente preenchido com o rebanho de ovelhas e três coelhos que o Sr. Tibério trouxe da Trás-os-montes natal. São para cima de cento e cinquenta cabeças de gado, ao que se deve somar cerca de cem metros quadrados de erva artificial que as ovelhas estupidamente consomem como sendo alfalfa de superior qualidade. Neste ponto, uma palavra de apreço para os três coelhos, que até hoje não se deixaram levar pelo embuste, apesar do mesmo lhes custar longas temporadas sem amaciarem o estômago faminto.


Como cabecilha desta revolta contra a minha pessoa, está plenamente identificado o Sr. Rei, que desde o maléfico comunicado das maçãs tudo tem feito para me dificultar a vida. Convém referir que o Sr. Rei é neto do magnata das maças, inventor, produtor e vendedor da maça Reineta, sendo ele, hoje em dia o dono da fábrica da maça Bravo Esmolfe após desavença familiar com o progenitor do seu progenitor. Acima de tudo, esta cisão deveu-se ao facto de, após anos a fio a aguardar o convite para ser sócio do seu avô, naquela que era, na altura, a fábrica das maças Rei, o Sr. Rei viu o convite ser entregue à sua irmã mais nova, sendo que ele sempre considerou esta decisão como uma tramóia da sua avó, que nunca lhe perdoou o facto de este sempre ter defendido que a maça deveria ser vermelha e não castanha esverdeada. Havia sido a sacana da velha, armada em decoradora a martelo, que havia escolhido a coloração da maçã Rei. Assim, o que poderia ser hoje a maça Reineto, é mundialmente conhecida como Reineta. O Sr. Rei jurou vingança e fundou a Bravo Esmolfe, utilizando o nome de solteira da esposa para baptizar o novo fruto, que segundo ele, seria um “maça de bolso”. Aqui fica óbvia a sua irritação para comigo após ter sabido da minha eloquente nega ao consumo do seu produto.


Felizmente para mim, qualquer pedido de punição à minha pessoa por parte da administração de condomínio tem que ser aprovada por unanimidade, que não foi obtida pois os proprietários do 3º esquerdo não possuem viatura automóvel, uma vez que a que tinham foi vendida a fim de conseguirem arregimentar dinheiro para pagar uma rinoplastia à filha, infeliz portadora da terrível doença do “nariz de papagaio”. Como o que nasce torto nunca se endireita, excepto o nariz, ela que no pré operatório era conhecida como a “Catatua”, viu uma vez mais o drma abater-lhe à porta. No pós-operatório deu-se uma destruição de hemácias no seu corpo, que levou à produção de bilirrubinas a partir da hemoglobina. Basicamente contraiu Icterícia e ficou com a pele mais amarela que o sorriso da sua mãe quando foi apanhada a chupar longos fios de esparguete, sem reviamente os enrolar no garfo, o que lhe valeu a alcunha de “Canária”. Actualmente é a minha colega de assadas de marshmallow pois tem esperança que o fumo do lume lhe dê outra tonalidade à pele, repetindo até à exaustão que prefere que lhe venham a chamar "corvo".