sábado, 25 de junho de 2011

Os Exercicios

Não sou um tipo muito dado a exercícios para além do habitual abrir e fechar de boca solidário em frente ao aquário da sala, apesar de estar habituado a correr em dias de maior ventania, sendo que nem sempre corro para o lado que pretendo. Digamos que a fronteira da força de vontade de alguém que, pesa sessenta quilos nos dias em que acorda com a neurose do coleccionismo de cascalho, deve andar à volta de rajadas de quarenta a cinquenta quilómetros/hora, isto, claro enquanto as pernas não vergam à força dos quinze quilos de calhaus acumulados nos bolsos. É que a força de vontade de um indivíduo estatelado no passeio na posição de frango assado só aparece esporadicamente quando um jardineiro esquece a enxada com o cabo em posição erecta, como se houvesse visto um sacho em ferro galvanizado e cromado, bem no meio da calçada. Em todo o resto do caminho resta-nos esperar que aquele workshop intensivo de pombo-correio na Feira do Campo do Cachopo tenha valido a pena para que se possa regressar a casa. Já que mais não seja, o anel identificativo na pata vai ajudar muito no momento de pedir instruções.


Como já me havia avisado o veterinário da bichana da minha mulher, ou como diz na porta dele, o Sr. Ginecologista, todo o exercício másculo não se deve estar dependente de três factores tão subjectivos como são a força da natureza, a parca memória do peixe comprado na Loja da Ana Teresa ou a posição de missionário, que essa está destinada à reza. Segundo ele, no futuro eu poderia vir a sofrer de atrofia muscular, para além da que já se manifesta a nível cerebral, especialmente nos primeiros 5 minutos da visita ao Lar para ver a minha sogra, até porque nos restantes 2 minutos em que me aguento no quarto já só estou a pensar se a velha iria espumar muito da boca se, acidentalmente, uma das minhas mãos lhe colocasse uma caixa inteira de Lorazepam na boca, ao mesmo tempo que a outra a obrigava a engolir o apetitoso farnel de fabrico laboratorial. Na verdade, ela já poucas vezes me dirige a palavra e eu noto que a nossa relação não é a mesma desde que lhe ofereci, pelos anos, o livro “Anita e a Injecção Letal”.


Ainda na abalizada e muito respeitosa opinião do homem a quem eu deixo metade do meu subsidio para me garantir que eu não ando a brincar em parques de diversões com baloiços enferrujados, a atrofia muscular poderia vir a resultar em momentâneas perdas de força nos membros inferiores e limitações ao nível de reflexologia, dando-me de barato uma bestial desculpa para utilizar todas as manhãs em que a minha donzela me encontra prostrado de nariz e pêlos do peito no mármore do patamar do nosso andar, após uma bela noite regada com o mais carrascão néctar de cereja e morangos, mesmo apesar de ela nunca acreditar, até porque os dentes tingidos a vermelho são os mais perfeitos delatores de uma noite de borga no Aloxi Bar, local onde experienciei os melhores momentos de atrofia muscular a nível de membros inferiores e onde pela primeira vez vi os efeitos da falta de exercício ao nível dos reflexos.


O Aloxi Bar é propriedade do Zé Matreco, que ao contrário do que o nome indica detesta matraquilhos. Para ele a única mesa onde se devem decidir jogos de bola é a de cabeceira, fiel depositária do pagamento de uma noite de coboiada entre uma concubina com sotaque e um agente da autoridade arbitral e onde este deverá levantar a respectiva factura a fim de pedir reembolso àqueles a quem ficará a dever umas miopias momentâneas durante 90 minutos.


O Ze Matreco é, a titulo de curiosidade, uma personagem bem peculiar, nascido como Itamara dos Reis em Maceió dos Anjos, bem no centro da Selva Amazónica, tendo trocado de sexo após um surto de candidiase vaginal na sua tribo, transmitida por 2 guatemaltecas que andavam na apanha da borracha, ou como é comummente chamada esta actividade nas zonas do interior de Terras de Vera Cruz, viviam do sexo seguro em troca de dinheiro. Com a desflorestação agressiva da grande floresta, a borracha começou a ser escassa e o látex passou a ser utilizado apenas pelos ancião da aldeia, pois assim garantiam uma maior durabilidade do mesmo, algo só alcançável por aqueles que pouco uso lhe davam. Malgrado este factor, a vida tem que ser tocada para a frente, a praga tornou-se incontrolável e Itamara tomou o ônibus em direcção ao sexo forte e o avião em direcção à Europa. Em Portugal abriu o seu boteco a que deu o nome de Aloxi Bar, que lido ao contrário é “Rabixola”. Ao contrário do que o nome possa indicar, este não é uma referência a si, mas sim aos 7 que passaram 4 anos de férias no Hospital de São José após terem sido atropelados pelo 32 da carris, conduzido pelo Zé Matreco durante uma marcha do Orgulho Gay. Ainda hoje ele exibe no seu bar o para brisas do autocarro todo autografado a purpurinas saídas das bem barbeadas bochechas dos acidentados.


Foi assim, aqui neste antro de podridão e falta de limpeza que senti pela primeira vez a falta de reflexos atingir-me violentamente, apesar que não tanto quanto o cálice de iogurte-cerveja que fez da minha cana do nariz um acordeão a ser tocado por um duende a calçar havaianas. Basicamente, estava eu à conversa com o Tó Matreco, que como o nome indica, é filho do Sr. João Coelho, um dos maiores artesãos do país na área do corte manual de pavimento cerâmico, sendo que começou a trabalhar peças de tamanho 1,20m x 1,20m mas que neste momento, por ser vitima de uma retinite pigmentar galopante, apenas produz ervinel para piscinas tamanho 0,25m x 0,25m. Enquanto discutíamos a exequibilidade de uma modalidade desportiva que mesclasse o poder de arremesso da corda de um berimbau com a galhardia picadora de uma seta em direcção a um alvo estampado na rótula de um qualquer assalariado, ressalvando a vantagem de se poder colocar à porta do bar um cartaz a anunciar música étnica ao vivo, ouviu-se um grande alarido vindo do bengaleiro.


Em causa estava a recusa do empregado do bengaleiro em aceitar guardar no seu espaço um andarilho de um idoso de 27 anos, contrapondo este que o propósito do andarilho era o mesmo de uma bengala, apenas com um tamanho mais abrangente, pelo que seria elegível para passar a tarde junto dos casacos, bengalas, kalashnikovs e bolas chinesas que a clientela tinha ali depositado. A meio da discussão foi arremessado um cálice de iogurte-cerveja, que como o nome indica, era uma mistura de leite com chocolate e coca cola. Na verdade eu vi o objecto em voo picado na minha direcção, qual Morimoto Matsuiama a carregar sobre o USS Arizona. Posicionei a boca para ingerir o líquido, mas não estava preparado para o efeito. O que eu pensava que era uma bola rápida, era afinal uma bola curva, que foi como ficou o meu nariz, com mais curvas que uma estrada serrana. Uma vez mais ficou provado que o meu jeito para o desporto era bastante limitado.

6 comentários:

Dogus disse...

Este gajo está... louco!!!

Ricardo disse...

Li isto há umas semanas mas decidi não comentar porque não tinha nada a dizer. Apercebo-me de que não ter nada a dizer pode ser o maior elogio que pode ser feito.

No entanto, depois do comentário do Dogus apetece-me dizer qualquer coisa: qualquer coisa. O gajo está, de facto, louco. Felizmente para todos nós (somos quantos... 3?).

Não sei que referências literárias terá o Constantino, para além das bulas dos medicamentos e dos folhetos da Telepizza. Imagino que se dedique por vezes à leitura dos classificados (o Prof. Bambo parece que cura as maleitas todas, incluindo a existência) ou dos rótulos das garrafas de vinhos, em que lê se os mesmos são ricos em taninos ou se a casta é Touriga Nacional.

Mas deixava dois livros de referência na arte de Constantinopla, os dois do mesmo génio, Maestro Vitorino d´Almeida: "Coca-cola killer" e "Tubarão 2000", assim, por esta ordem.

Depois diga qualquer coisa, ó Tino.

Constantino disse...

Caro Ricardo,

O elogio pelo silêncio é muito subjectivo. Sou sempre dos primeiros a esbardalhar o minuto de silencio em memoria de alguém até porque, quando eu bater o belo botim, não quero que a vizinha do 7º andar fique 1 minuto em silencio de cabeça em baixo, a olhar para os seus seios a pensar: "humm então era para aqui que aquele sacripanta (ela é muito educada não vai usar palavrões) olhava quando iamos em silencio no elevador"´. Convenhamos que relativamente aos implantes mamérios da jovem... o silêncio é mesmo o melhor elogio.

No que toca à leitura, baseio-me muito no "Manual de Utilizador Acer" que leio de cada vez que preciso utilizar o meu computador. é mais complexo que um livro do sousa tavares? Sim sem dúvida, mas a qualidade é infinitamente superior.

Quanto ao que recomendas, vou mesmo tentar encontrar isso, até porque é impossivel não resistir a um maestro com penteado de quem acabou de acordar e bengala permanente. "gozem agora que um dia mais tarde também todos irãoandar de pau na mão" parece dizer ele a cada vez que brande o instrumento (calma, não dispersem, concentrem-se, continuo a falar da bengala). de qualquer forma, obrigo-me a ter que aconselhar, também 2 livros de 1 só autor: "Para acabar de vez com a cultura" e "Pura Anarquia" de Woody Allen.

Abraço.

Ricardo disse...

É, de facto, subjectivo e a questão levantada sobre o elevador ainda mais pertinente: se, de cada vez que o silêncio se instala numa penosa subida aos céus com estranhos, fosse demonstração de elogio o mundo estaria de certeza mais parrillada argentina e menos vegetariano. Mas é o que temos.

Do famigerado portista a quem Ricardo Araújo Pereira costumava sovar todas as semanas com requintes de malvadez, tenho a dizer que hesito. É um fanfarrão completo, um doentiamente repugnante portista mas quando a coisa vai para os livros tenhamos calma que o homem às vezes engana-se. O Equador nem esteve mal, tirando o facto de ter sido integralmente copiado até é um bom livro; o Não te deixarei morrer, David Crocket, é um belíssimo livro de contos e o Sul, livro de viagens, é das melhores coisinhas que se fez na literatura de viagem em Portugal, ainda antes, muito antes, do Cadilhe chegar e trazer ar puro. No teu deserto, este sim, uma valente bosta. Mas aquele Sul deixa-me a deixar de odiá-lo. Amo muito o Sul e ele deu-me um Sul que eu amo. Depois, sim, odeio-o, é portista e é doente, o que, parecendo a mesma coisa, não o é, pelo menos no meu caso pessoal que conheço um portista amigo de infância que é dos seres mais lindos que já existiu.

Encontra. Encontra esses dois e junta-lhes mais dois, do mesmo génio benfiquista e de bengala por opção, o que ainda é mais giro: "Histórias de lamento e regozijo" (aqui, o constantinoplismo atinge laivos de completa alucinação) e o excelente "Um caso de bibliofagia", que, talvez por o homem ser maestro - o que em Portugal quer dizer que só pode maestrar -, devia ser considerado um dos melhores livros de toda a literatura nacional.

Depois o Maestro tem assim coisas loucas: com "A culpa", trouxe para Portugal o primeiro Prémio internacional de cinema (Huelva, 1980). Sim, há gente desta.

O que nos leva ao outro, o que recomendas, que é mais um que vem de castas únicas, em que o sol, a terra, o ar, o vento e a ternura das mãos conjugaram-se em simultâneo. Já conheço essas peças geniais de juntar letras, um deles comprei na Feira do Livro da Amadora entre paquistaneses com flores feéricas e o Bairro inteiro do pozinho mágico envolto em pancadarias com a polícia - o subúrbio é uma coisa muito delicada. É Londres, sem a ponte.

Ao Allen um reparo: envelheceu mal nos filmes. Até 2002, é tudo bom. Depois é quase tudo mau. Por outro lado, dedicou-se à música. Lá está: castas.

Abraço.

Constantino disse...

Caro Ricardo,

Quando um tipo, na sua boa fé, tenta comprar uma zundapp, admira a estética da bomba, identifica o som de cana rachada e confere o motor. Estando tudo em ordem saca do livro de cheques da D. Magda da mercearia, mas quando assenta a ponta de feltro na zona da assinatura lembra-se de perguntar: "então e o capacete? É laranja com pala preta e tapa orelhas em cabedal?". Basta que neste item a resposta seja negativa para se dar o negócio por cancelado. No caso do saco de pancada do RAP esta lógica também se aplica: o tipo ate pode ser muito inteligente, escrever livros fantásticos, mas depois tudo isso passa a zero quando ele mostra ser um neerdental a falar de fisica espacial no que respeita a futebol. Para alem que fisicamente ele parece-me mesmo com um neerdental, tenho ate duvidas se ele não será filho do excelso sr. washington alves (a dona sophia que me perdoe).
No que toca às letras, não tenho pejo em reconhecer que és bastante mais versado para a coisa do que eu. Quando acabei de ler o "marley e Eu" fiquei todo orgulhoso e isso diz bem do meu apetite para a arte. Já a nivel filmográfico (gosto de inventar palavras, apesar de algumas já existirem...não sei em que parametro se inclui esta) sou obrigado a concordar com a analise ao Woody Allen. Acho que o momento em que se vê que alguém se esta a perder é quando se coloca como protagonista principal de um filme o tipo do american pie. A partir dai só se pára quando se encontra petroleo.
Talvez off topic ou talvez não e já que estamos numa de opiniões, aproveito para aconselhar toda a filmografia de Ki-Duk Kim. Não sei se estreve ou se toca algum instrumento... mas dentro do genero dele...é outra casta

Abraço

Constantino disse...

Ah já agora: não será Londres uma Amadora com ponte? A rever...