terça-feira, 10 de abril de 2012

O Troféu


Não é de grande monta a espectacularidade da conquista, nem sequer suficientemente importante para ser brindada com o derramamento daquele liquido borbulhoso que me foi ofertado no casamento do primo da minha querida esposa como sendo algo parecido a champagne francês, mas cujo teor de contrafacção ficou convenientemente visível por o gargalo da garrafa ser vedado com uma rolha de papel de alumínio cilíndrica enrolada em pelicula aderente culinária e ao centro do vasilhame de vidro constar um rótulo publicitando sumo de goiaba Islandês. Mas pronto, não há como negar, o troféu foi ganho com todo o mérito da minha parte e só esse singelo facto já lhe confere o estatuto de divina importância para a minha pessoa, digno de ser fiel depositário da minha saliva com hálito matinal nauseabundo, aquando do oscular diário e obrigatório à peça em questão. 

É certo que apesar de ser o meu nome que foi gravado a cinzel na chaparia de latão colada na fachada da Taça por um menor europeu escravizado, no porão de um barco de pavilhão guatemalteco em águas internacionais no Oceano Pacífico, mas confere-me a obrigação de confessar que o mais próximo que estive de participar na refrega da qual provém o único troféu pertencente a um Ser Humano que adorna o espaço delimitado por quatro paredes que é o meu paraíso matrimonial, foi cerca de 200 metros, quando estacionei a moto 4 gentilmente pedida por empréstimo com recurso a arma branca, mais especificamente um pacote de leite extra cálcio pelo meu passageiro, a fim de o deixar a ele, o real concorrente da disputa, em frente ao Auditório Municipal da Terra, que tem este nome por ser construído com recurso exclusivo a terra, ou neste caso específico, areia da praia ensopada pela ondulação pujante de salitre, o que já resultou em duas ou três derrocadas da nave principal, que por mera coincidência é a única, felizmente sem feridos a registar, durante a época das monções, que é como a malta aqui se refere ao período entre as três e as quatro da madrugada, ou em português simples “hora de funcionamento da rega automática da relva do quintal do Sr. Matias”.

Não que seja um facto de extrema importância, mas o olhar assassino da minha mais que tudo obriga-me a ressalvar aqui que, por muito que este seja o único titulo a constar na lista de conquistas do casal, as vitórias não são factos exclusivos dos humanos nesta casa, visto ainda estar em exposição desde há quatro anos a esta parte, no topo do nosso televisor o troféu com que foi agraciado o nosso caniche por parte da Associação CARAPINHA “Cabeças Rapadas Por Indivíduos Negros do Huambo Angolano”, que se dedica à recolha de cabelos humanos ou animais para a fabricação de capachinhos destinados a serem oferecidos a idosos cuja calvície ficou exposta após terem sido vitimas de roubo das suas cabeleiras postiças em bairros violentos e degradados do Huambo, por parte de malfeitores que posteriormente as utilizavam para praticar crimes hediondos como encher chinelos de enfiar com pasta de dentes ou espuma de barbear, deixando para trás folículos capilares que futuramente iriam incriminar os reais donos das cabeleiras. Assim e graças ao meu perspicaz varrimento de pêlos caninos do chão flutuante riscado por não menos caninas unhas, a oferta de sete sacas de serapilheira atabafadas de pêlos brancos e encaracolados, rendeu ao elemento quadrúpede do matrimónio um fio tecido em polpa de avelã da Patagónia com uma pequena inscrição dizendo “Eterno Agradecimento dos Angolanos Albinos Carecas”. É importante que se refira que a espessura e tamanho diminuto do troféu, se revelou deveras útil quando trocamos o velho televisor de estilo sessentista por um moderno plasma flat screen, pois de outra forma ele não caberia no topo da caixinha mágica.

Reportando novamente à distinção que agracia a sala de estar de minha casa, onde serve igualmente de suporte para porta-chaves, bonés e ocasionalmente paus de incenso em chamas piromaníacas a fim de estropiar a divisão do cheiro nauseabundo dos cozinhados asiáticos do incestuoso casal pré-adolescente que habita em segredo o apartamento abaixo do meu, esta foi brilhantemente acoplada ao meu currículo mediante uma participação bem-sucedida num torneio de Soletragem de Palavras Nativas Australianas. Levantando um pouco do véu que cobre insidiosa e transparentemente o segredo que rodeia o referido troféu, revelo que na verdade não foi a minha excelsa pessoa a competir pela glória no torneio organizado pela associação de amigos da minha rua, da qual sou sócio desde sempre, sem contudo alguma vez ter participado nas actividades sociais por ela organizadas, tais como reuniões, confraternizações ou combates de escaravelhos em caixas de sapatos tamanho 24, para que não haja muito espaço de fuga para o insecto menos corajoso, por muito que tenha pago o fecho da minha marquise com o dinheiro ganho a apostar no escaravelho propriedade do Sr. Santiago Lencastre e Sepúlveda, pois só nós dois sabemos que o insecto apresentado como escaravelho hindu das estepes Siberianas é efectivamente um escorpião venenoso do Sahara que foi outrora pertença de um não menos outrora, famoso negociante de riquexós na capital do Império Bizantino, portanto dois quarteirões a norte de minha casa, e que faleceu exactamente devido a uma picada do temido bicharoco, sendo que na altura se pensou que o individuo havia sucumbido às feridas infligidas por um ataque de triciclo a dois tempos, portanto tempo parado e tempo em movimento, conduzido por um recém-nascido em plena crise de intolerância láctea e em excesso de velocidade, tal era o tamanho das lacerações que o insecto do deserto lhe havia deixado nos tendões rotulianos e nas luvas de borracha que na altura utilizava pois encontrava-se a fazer a limpeza a seco do roupão de cabedal com que o referido assassino entrava em ringue.

Ora, a fim de me declarar vencedor de uma modalidade que eu não domino minimamente, optei por fazer uso da minha total abstinência de travar conhecimento com os membros da associação, para numa jogada de mestre digna de figurar nos anais da história do desenrascanço desportivo anglo-saxónico, convidar o dono de uma loja especializada em brinquedos sexuais da Oceânia com o sugestivo nome de “Antilopinus” para que este participasse em meu nome. Desta forma e apenas em troca da compra de algo que, mal-grado a lâmina em inox, afiada de um lado e dentada do outro, embainhada num invólucro de cabedal e encabeçada por uma pega em madeira, me foi garantido não ser uma catana, mas apenas um “persuasor sexual de mulheres”, garanti que o Sr. Ualparri Uarramunga seria efectivamente um eu de tez ligeiramente mais escura, o que não seria problema derivado da numerosa comunidade de dioptrias indígenas que habitavam ambos os globos oculares da presidente do júri, o que motivava que aquando das suas passeatas matinais, os invisuais que se dirigiam para a fábrica de bolas de espelhos para discotecas contigua ao nosso bairro onde laboravam como cobaias em testes de luminosidade das vidraças reflectoras, terem que se desviar dela no passeio a fim de não serem abalroados. Os atropelamentos tornaram-se de tal forma frequentes que os administradores da fábrica decidiram retirar dos seguros as alíneas que referiam ser os mesmos vigentes durante a viagem casa/trabalho/casa, até porque constava já haver um negócio paralelo de indivíduos com visão imaculada que cobravam singelos honorários para distrair os cães guias com recurso a bifes do acém e da alcatra, para que fosse impossível impedir o choque acidental entre a senhora e o invisual, para que este pudesse, não só meter baixa por invalidez, como também ser ressarcido pela entidade seguradora numa soma que lhe possibilitaria comprar, no mínimo, duas embalagens das sempre indispensáveis coleiras anti pulgas para os canídeos fielmente treinados.

No final de contas, a estratégia surtiu efeito, por muito que o Sr. Uarramunga não tenha sido capaz de soletrar uma única palavra, limitando-se a repetir à exaustão o seu nome, visto ser essa a única resposta que era capaz de dar a uma pergunta pronunciada numa língua que não a aborígene. O facto de ele ter aportado ao nosso país há menos de uma semana não me foi facultado, mas revelou-se um pormenor sem importância, pois a peleja não despertou um mínimo de interesse na comunidade local e ele foi mesmo o único a responder à chamada, tendo arrebatado o título ao fim de quinze minutos de silêncio por parte do júri, entrecortado por urros seus, vociferando o seu nome de baptismo. Poder-se-ia pensar que o facto de eu não ter participado activamente na conquista do esbelto objecto retiraria valor sentimental ao mesmo mas isto não corresponde à verdade, pois fui eu o mentor da recuperação do item cinco dias apenas após a minha esposa o ter depositado honrosa e solenemente escondido por baixo dos restos bolorentos de um molho de escabeche confeccionado seis meses antes, dentro do caixote do lixo. O resgate não foi feito com pompa nem com circunstância visto ter sido necessário utilizar a última meia dúzia de dias de férias para chafurdar insistentemente na lixeira municipal com um detector de metais, até finalmente o encontrar. Poderia ter sido bem mais rápido a recuperar o troféu se em vez de um detector de metais tivesse recorrido a um homónimo de PVC, afinal de contas a matéria-prima na qual ele tinha sido estoicamente moldado. Apenas tenho que felicitar quem o pintou de dourado de forma tão perfeita que me induziu ao engano, por muito que a minha parceira matrimonial já tivesse levantado dúvidas pelo constante escamar da película colorida, que deixava a descoberto a matéria azul acinzentada peculiarmente utilizada na produção de material de canalização para escoamento de águas sépticas.

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