Nunca fui grande barra a matemática, mas este factor não me impede de
ter noção de quando ultrapasso largamente o recorde de número de tropeções
diários no pavimento irregular da minha sala de estar, especialmente quando a
maior parte dos mesmos tem lugar na mangueira que atravessa a divisão maior de
minha casa vinda da pia da cozinha em direcção à varanda, para a descarga em
formato cachoeira de águas do Ganges à base de detergente espumoso com dois
andares de altura num caminho de sentido único para ir desaguar na calçada
pública, que diga-se em abono da verdade, apresenta uma regularidade de piso de
fazer inveja ao ladrilhador de peschinbeque que vagueou pela área pública do
meu protótipo de mansão durante a respectiva fase de construção. Apesar de ser
algo que me provoca graves ataques de equimoses dermatológicas e estomatites
estomatológicas, não posso afirmar que fico demasiado estropiado mentalmente
com o acto de tropeçar numa qualquer junta mais desviada, que em casos extremos
abre verdadeiros alçapões de quase cinco centímetros, onde já perdi duas unhas
dos mindinhos dos pés e dez gramas de fiambre de sola do pé, pois na maioria
das vezes apenas consigo aumentar a velocidade de empranchamento para mergulho no
sofá de fabrico italiano, sendo portanto um pequeno conjunto de esponjas
emolduradas numa estrutura maciça de madeira de carvalho velho, onde não raras
vezes, a caniche da minha mais que tudo me afaga carinhosa e involuntariamente a
aterragem, deixando-me contudo a roupa cravada de pêlo encaracolado e muco
nasal extraído através do seu focinho eternamente húmido e minúsculo.
Fico danado sim, quando penso que o pivôt dentário que teve morte
imediata na quina da mesa de jantar, após uma queda falha de pontaria no que ao
acolchoado das almofadas do sofá diz respeito, me poderá vir a ser útil no
futuro, quando eu tiver que enfrentar com poucas unhas e ainda menos dentes uma
solipa de madeira cozinhada pela minha donzela, que normalmente me é
apresentada como sendo carne originária de um qualquer mamífero bovino exótico de
estufa, conquanto eu aposte todo o marfim que me decora a cavidade oral, que o
alimento que permanece inerte no prato à minha frente entre duas batatas
infectadas de míldio cozidas e umas colheradas de puré, já viu muitos comboios
de mercadorias passar-lhe os metálicos rodados por cima a toda a velocidade, a
caminho de uma qualquer central nuclear, com os contentores na sua quase
totalidade radioactivamente corroídos. Infelizmente nem o problema do pavimento
de minha casa ser mais irregular que uma passagem montanhosa do Utah acabada de
ser atravessada por cinco manadas de colonos mórmons, nem os dotes culinários
da minha princesa, ao nível de uma dona de gruta do pré-pleistoceno acabada de
descobrir os benefícios do fogo na confecção de carne de animal cuja vida havia
sido ceifada há pouco tempo a toque de calhaus de xisto afiados nas carapinhas
de guerreiros rivais empalados na cerca da aldeia, podem ser apresentados em
reunião de condomínio para posterior resolução.
Foi assim dentro de uma dinâmica vanguardista bastante antiga, que fechei
o matutino com vários meses de existência que consultava desembargadamente de
pernas para o ar, enquanto sentava as minhas nádegas gémeas na loiça cerâmica
sanitária, e me concentrei com o intuito de galhardamente congeminar um plano
que levasse a que uma reunião de condomínio a ser albergada nos barris
plásticos de azeitonas pretas galegas guardados na cave que durante o inverno
são arrendados pelos moradores a sem abrigos em troca de trabalho escravo,
resultasse na contratação de um pedreiro-livre e de uma nutricionista para
execução de alguns trabalhos nas áreas comuns do prédio, período que eu
aproveitaria para numa decisão bastante popular entre os quadros gerentes dos
diferentes serviços públicos, coloca-los sob a minha alçada, se bem que a
expensas dos restantes co-moradores, que muito simpaticamente não levantariam a
mais pequena objecção, derivado do total desconhecimento da situação a
atropelar alarvemente a fronteira da legalidade, que regra geral, ajuda
sobremaneira à colaboração entre vizinhos.
Portanto muni-me de um espírito entrepeneuriano, como talvez só tenha
tido uma vez na vida, quando durante certa altura da minha conturbada juventude,
decidi enveredar pelo design crânio-capilar rapando o cabelo a toda a minha família
nuclear enquanto estes dormiam, e por família nuclear entenda-se um casal de primos
ucranianos do meu pai, nascidos e criados em Chernobyl onde o seu progenitor
exercia as funções de provador de vegetais produzidos nos incandescentes campos
agrícolas da localidade tragicamente famosa. Iniciei então uma quimera de
ingestão a granel de fruta de formato fálico arqueado, popularizada por ter o
seu nome associado a uma República sem leis nem regras e onde se diz que as
donzelas não usam lingerie para encobrir as vergonhas e os machos nascem com
estômagos incrivelmente esponjosos para superior absorção de néctares de
elevado teor etílizante. Após a digestão, arregimentei as cascas do fruto e
distribui-as irmãmente pelos degraus da escadaria comum em pedra moleanos, encardidos
e coçados pelos pitons de alumínio das chuteiras que todos os condóminos fazem
questão de calçar à entrada do prédio para não riscar o pavimento do mesmo com
o pó que trazem da rua nos sapatos, o que muito contribuiu para a camuflagem da
armadilha vegetal que viria a ter grande impacto comercial na tabela de
proveitos da farmácia vizinha, através de um excepcional surto de compra de
mercurocromo e betadine, isto claro para além do caso especifico do cão guia do
sr. Pedro Bisgarolho que após tropeçar no último degrau de acesso às águas
furtadas onde este ia roubar os garrafões do mineral inodoro e incolor aí
armazenados por mim para prevenir a quebra no abastecimento de água da rede
pública no Dia do Julgamento Final, rebolou até ao patim do 1º andar, onde
aterrou de focinho, transformando-se numa questão de segundos de um garboso
Pastor Alemão, num baboso e anão Pug com as quatro patas engessadas e uma cauda
maior que o resto do corpo.
Para grande tormento de todos os moradores do meu habitáculo de uma
assoalhada, inicialmente o plano não atingiu os objectivos pretendidos aquando
da sua magicação no chalé cagatório, pois durante a nervosa assembleia de
vizinhos ficou latente um certo ressentimento primário pelos danos corporais
incutidos no canídeo, o que para mim se revelou ser uma surpresa visto já por
diversas vezes terem vindo à baila reclamações acerca do porte animalesco do
animal carnívoro. Felizmente alguém puxou à conversa os longos dias de baixa
médica requisitados pela quase totalidade dos condóminos derivado dos
estatelamentos no ascensor pedestre e em três penadas fui eleito Presidente da
Administração de Condomínio, com plenos poderes definidos nos estatutos, para
não só decidir acerca de qualquer questão em discussão na Assembleia, como
também para fazer ataques com trovões e relâmpagos desde que os mesmos sejam
emanados do sovaco, no caso dos primeiros e das mãos no caso dos segundos. Na
impossibilidade de completar este último predicado, contentei-me em enojar
repetidamente os meus camaradas de fogo habitacional com repetidas repetições
de trovões axilares entrecortados por um odoroso trovão nalgar, bem como em aprovar
a moção que se encontrava sobre as costas de um sem-abrigo enrolado num caixote
de papelão de um frigorífico Ariston de classe energética D, que havia alugado
um dos barris de azeitonas em troca de três horas em posição canina,
vulgarmente apelidada de quatro, de modo a servir de mesa para a reunião de
condóminos, e igualmente para o repasto que se seguiu.
A partir deste momento foi uma questão de aguardar pelos dois pseudo
profissionais nas respectivas áreas e tratar da resolução dos meus dois problemas.
Para grande surpresa minha, nenhuma das questões logrou ser apagada da minha
ardósia, onde para além de manter em dia a contabilidade dos comprimidos
diários que tomo contra a alergia ao giz, também são assinaladas todas as
coisas que me perturbam o quotidiano. O que tristemente aconteceu foi tão só
que o pedreiro-livre contratado era um agorafóbico, para quem eu e a minha mais
que tudo representavam uma multidão esfomeada e em fúria a atacar uma padaria
após a fornada da manhã, pelo que se recusou a pousar o que quer que fosse dos
seus calcantes na nossa sala. A única pessoa que conseguimos fazer ultrapassar
com sucesso a ombreira de porta da nossa casa, em madeira besuntada a cuprinol,
foi a nutricionista, que para tristeza do meu aparelho digestivo era hindu,
pelo que a simples menção de bife bovino da minha parte, a levou a ameaçar-me
com o sacrifício de um dos meus lóbulos auditivos em oferenda a Mahatma Ghandi,
o Deus da falta de proteínas animais no bucho, o que inviabilizou qualquer tipo
de palpite da sua parte acerca da forma de melhorar os dotes culinários daquela
com quem viverei até que a morte nos separe. No final de contas apenas consegui
aproveitar a sua visita para resolver o problema de excesso de magnésio
acumulado no organismo através da ingestão deliberadamente exagerada de fruta
originária da bananeira.