quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A Fome

Nas alturas em que me sinto completamente esquadrinhado pela fome, os meus olhos avistam sofregamente um autocarro e a imagem que transmitem ao cérebro é a de uma baguete com farripas de frango e rodelinhas de tomate, a escorrer molho de churrasco por todo o lado, que na realidade mais não é do que fumo decorrente do excessivo queimar de óleo da viatura, algo natural se for levado em conta que o transporte público tem ano de fabrico em 1967, apesar de ter sido comprado pela transportadora na Alemanha há apenas dois anos. A dor instala-se e é com pesar que sinto o meu intestino delgado entrar em rixas desnecessária com o estômago e com o esófago por ter o intestino grosso à perna a pedir conduto.
É por estas e por outras que me decidi a casar com alguém que fosse uma versão humanizada da Bimby, de preferência com upgrade para Dolce Gusto, pois uma cafezada depois de um pitéu agrada até à chinchila da minha cunhada que só come alface e alfalfa, mas nunca recusa um trago do néctar Campo-maiorense de preferência com um cheirinho de licor de lagarto chinês, especialmente se este for servido pelo senhor Fai Cheng, homem alto e magro de bigode farfalhudo e careca proeminente, nascido na Guiana Francesa mas leitor assíduo de Confúcio e Fernão Lopes, que muito novo emigrou para a Dinamarca, por engano, quando pretendia deslocar-se à Lapónia para entregar a sua carta de Natal aos duendes do patrono natalício. Durante a sua estadia no pais dos Vikings fundou uma fábrica de drakars onde todos os funcionários tinham como uniforme um disfarce de Vicki e apaixonou-se pela cultura sueca, sendo fervoroso amante do swing, mais a nível musical do que sexual, pois tendo ele feito um voto de castidade ainda no pais natal, sentia que lhe faltava algo para dar em troca numa situação de swing de carácter carnal. Foi ainda em terras de Sua Majestade Rainha Margarida II que se converteu ao absentismo, deixando de comparecer no local de trabalho sem aviso prévio e adoptando um nome russo, Faizulinenko Chengrinski, que rapidamente abreviou para Fai Cheng por não se recordar de como se escrevia e pronunciava o seu nome completo.
A minha saudosa mãezinha, que Deus tenha bem junto de si como tem todos os seus devotos e crentes, para compensar o facto de ela desde pequena ter nutrido uma inexplicável adoração por Satanás e pela Irmandade Illuminati ao ponto de ter tentado baptizar a minha irmã mais velha com o nome de Copernica, que foi automaticamente recusado pelo Registo Civil, livrando-se assim a mana Galileia de um nome ridículo, sempre me recomendou que escolhesse para contrair matrimónio uma freira pois dizia ela que as enclausuradas certamente tinham extraordinários dotes petiscais visto não haver noticia de Deus, a quem elas haviam prometido devoção eterna, alguma vez ter ido a um fast food amarfanhar um suculento hambúrguer ou uma mirrada fatia de pizza Primavera. A minha tia contrapunha que isso se devia ao facto do inventor de tudo não gostar de pepino nem anchovas, mas a minha saudosa mãezinha defendia a sua dama atirando à sorrelfa o argumento de que os doces conventuais gozavam de enorme fama, sendo que nenhum homem era capaz de fazer um trejeito de boca enquanto aplicava umas viris dentadas numa Barriga de Freira e não havia mulher que não soltasse um Suspiro de Braga enquanto esfacelava um Fidalguinho. Aqui o meu pai juntava as mãos e levava-as acima do seu boné da Robbialac e afirmava pleno de convicção que se havia coisa que o deixava fora de si era um Pito de Santa Luzia.
Quis o destino que eu me perdesse de amores por uma ateia agnóstica que me conquistou o coração com uma pratada de Canard à L’Orange confeccionado pela sua mãe, memórias ainda de uma comissão de serviço prestada por esta como mercenária durante a Guerra Civil no Congo Belga, onde ao serviço das tropas de Mobotu Sese Seko ajudou a derrubar o Governo de Moise Tshombe, trazendo na bagagem toda uma panóplia de receitas culinárias que durante muito tempo me deliciaram, até ao momento em que a velha me começou a ensaboar o juízo com a frequência e velocidade de um Alfa Pendular ao ponto de me ter obrigado a interna-la num lar com visitas periódicas bastante limitadas.
Para meu azar a minha excelsa esposa apenas herdou de sua mãe a vil capacidade de me atazanar o sistema nervoso, estrangulando-o até ele não respirar, desconfiando eu que os dotes culinários foram herdados pela minha cunhada visto o seu marido ser um badocha que tem a parte de baixo da cama coberta de tijolos de 15 para que esta não abata. Enquanto isso eu vou-me habituando a matar o bichinho da fome com bifes de vaca cuja substancia calórica e nutricional é a mesma de um pedaço de madeira de azinho a crepitar na lareira numa tarde de verão enquanto espera que lhe seja colocado em cima o assador para uma assadela de castanhas fora de época.

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