quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Inicio

Normalmente os grandes negócios e as ideias fabulosas nascem de um de três fenómenos: o ócio, a insónia ou o consumo abusivo de substâncias estupefacientes, sejam eles canabinóides ou opiáceos, é preciso é que sejam narco-traficadas. Foi o facto de não ter sido atacado por nenhum destes fenómenos que me levou a escrever isto, enquanto aguardo que um relâmpago me atinja bem em cheio no osso occipital de forma a haver em mim uma erupção de criatividade e eloquência que torne qualquer destas palavras em algo mais tremendamente esfusiante e trepidante, poética e prosamente falando, ou escrevendo, conforme o ponto de vista adoptado pelo leitor desprevenido, que numa clara exibição de vida sem interesse perde tempo a ler todo um conjunto de palavras desconexas e de sentido descoordenado, revelador de um humor um tanto ou quanto a atirar para o parasitismo.
Obviamente que mesmo atingindo um nível de qualidade supremo estarei sempre abaixo de qualquer outro rascunho saído da caneta de um pilantra emigrado da Oceania que o entrega aos automobilistas parados no vermelho de um cruzamento louletano e onde se pede um donativo para uma menina loirinha que, azar dos azares, tem leucemia e precisa ser operada com muita urgência a um dedo indicador pois ao roer a unha trincou inadvertidamente o membro apontador ao ponto de criar uma pequena infecção cutânea que seria facilmente curada com um pouco de gaze e betadine, não fosse a incauta jovem ter tentado estancar a hemorragia com três pingas de uma especie de água rás, comprada no mercado do peixe, mais especificamente na banca da D. Amália, que só vende pargos e moliço, vindo directamente da Ria de Aveiro.
A verdade contudo é que o rascunho do pilantra emigrado da Oceania só seria melhor prosa aos meus olhos uma vez que aqui se aplica a teoria de que a “galinha da vizinha é sempre melhor que a minha”, que diga-se é bastante vasta e abrangente, pois pode-se inclusive aplicar a apêndices mamários. Não olvido de forma alguma que as “mamas das minhas vizinhas são bem melhores que as minhas”, apesar de neste ponto não ver a coisa com maus olhos. Gabo-me, inclusivamente em público, de ser pouco dotado ao nível da vulgarmente apelidada de prateleira, vestindo inclusive o mesmo tamanho de soutien que grandes vultos da história como Napoleão, D. Afonso Henriques, D. Nuno Álvares Pereira ou até Condoleeza Rice. Reza até a história de que a decisão do nosso primeiro Rei em esbofetear a progenitora e expulsá-la do território Portucalense se devia exactamente ao volume descomunal dos tecidos adiposos que D. Teresa exibia na zona confinada entre o pescoço e o umbigo, sendo este relatado, por alguns historiadores como sendo o primeiro caso de cirurgia plástica praticada no Mundo. Outros historiadores, especialmente de origem Al-Andaluza, contudo referem-se a este caso como uma situação típica de mutantismo, que deixou de olhos em bico Egas Moniz ao ponto de poder ser este o pai biológico do Conquistador.
De um ponto de vista mais sociopático a assumpção de que isto não seria mais que uma perda de tempo obteve uma muito aplaudida confirmação quando a mulher que tem uma aliança igual à minha me pediu para passear o caniche, mesmo apesar de lá fora chover mais do que na nossa banheira e eu ter respondido que não podia pois estava absolutamente ocupado a trabalhar. O desvio da verdade obviamente não pegou, pois ela vivendo 24 horas comigo sabia perfeitamente que estava a falar com a inscrição numero 12876 do Centro de Emprego, que coleccionava entrevistas falhadas de trabalho, por estes não serem empregos. Desta forma não houve como evitar o estrelaico e o passeio com o canídeo teve-se de fazer, mas graças ao teclamento de letras sempre consegui ganhar uns minutos extra, suficientes para presenciar o amainar da pluviosidade, o que contudo não evitou que tivesse que vestir o fato de oleado amarelo e as galochas que haviam sido propriedade do meu sogro, homem de 1,50m de altura com consequente pé pequeno, cerca de três números abaixo dos meus. Felizmente ao longo da evolução humana os dedos dos pés foram ganhando articulações de forma a poderem dobrar em situações de evidente aperto, sendo que o velho truque de não usar peúgas também ajudou, apesar dos efeitos olfactivos altamente danosos revelados no momento de descalçar o botim.
De qualquer forma esta breve interrupção da escrita para passeio nocturno com o quase animal da minha esposa não foi feito de animo leve e deveu-se a uma mais que necessária diminuição e controle de riscos visto que caso o defecamento do bicho fosse feito intramuros iríamos assistir a uma desnecessária explosão de adrenalina por parte da rapariga, afectando-me sobremaneira o aparelho auditivo. Sendo este um dos poucos sentidos que mantenho intacto, convém-me, com toda a certeza, preserva-lo.

Sem comentários: