quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Vizinho

Sempre defendi a boa vizinhança, mas tenho algumas dificuldades em me relacionar com quem paga o condomínio, de forma tão regular que passa despercebida a minha dívida sempiterna, cuja razão explicarei um dia mais tarde. No topo dos condóminos a quem um “bom dia” da minha parte sai sempre com ares de pagamento de IRS atrasado e com juros de mora está o recém-chegado inquilino da marquise do 2º esquerdo.
De seu nome Filipe Fialho Fagundes, é um rapaz que impressiona ao primeiro olhar, mostrando ser um cruzamento entre um castor, com duas majestosas favolas a enfeitarem-lhe o beiço, e uma ameba, que sendo verdade que não é totalmente desprovido de massa encefálica, denota, impreterivelmente grandes dúvidas em fazer um uso mínimo dela, quando solicitado em conversas de escadaria, sendo que para ele a “perspicácia” é uma louca quimera, só ao nível da busca do Santo Graal ou da apanha dos gambuzinos. Talvez pense duas vezes antes de falar, mas não passam de dois pensamentos repentinos, sensivelmente iguais aos do suicida a três segundos de se travar de razões com o Alfa Pendular que faz a ligação entre o Pinhal Novo e a Funcheira.
De ar macambúzio e hálito de cebolada de peixe espada regurgitada, regada com o melhor vinagre Auchan, conta-se que em novo tinha um grande fascínio pelos carros, volantes e tudo o que pudesse ser conduzido, tendo-se empregado, muito cedo na Constrói-mos Lda. Empresa de Construção Civil e Obras Públicas, de onde saiu quinze anos mais tarde exibindo ao peito, ufano de orgulho, duas medalhas por condução exemplar de carrinho de mão e betoneira, bem como um diploma de participação num seminário sob o tema “Dicas e técnicas para manejo de Grua Telescópica e de Roldana”. Contudo os meios de transporte continuaram-lhe no sangue a povoar-lhe o espírito, pelo que enveredou pelo motociclismo, tornando-se proprietário de uma Zundapp Casal Boss. Segundo ele não há nada como o vento na cara, o cabelo ao deus dará, o penico na cabeça, o alcatrão na perna, o betadine e o fenistil na ferida e na queimadura.
Actualmente é empresário em nome próprio, assalariado de si próprio que, não raras vezes, se dirige à sede do sindicato para apresentar queixa da sua entidade patronal. Profissionalmente o seu sucesso é indesmentível, sendo um respeitado recolhedor de latas e cobres, líder de mercado na rua em que habitamos, a qual ele palmilha diariamente ao guiador de um carrinho de compras, comprado num leilão da PSP após ter sido apreendido a um agricultor da região de Oleiros na fronteira de Vilar Formoso que tentava contrabandear maçã golden e pêra rocha para Espanha.
Na última vez que me cruzei com este condómino no patamar das escadas no 1º andar vinha ele e seu carro de compras da jornada de luta em que se juntou a todos os outros camionistas deste pais numa greve que paralizou o pais e trouxe o mui nobre Filipe para os escaparates da imprensa por ser o único grevista a conduzir uma viatura amiga do ambiente.

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