quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Rapto

Há momentos sagrados e mastigar um tentáculo de polvo a admirar um quadril feminino desconhecido trespassar-nos a retina em direcção à córnea é um deles. Mas o que torna estes momentos sagrados especiais é o facto de serem interrompidos sempre idioticamente.
Naquela manhã fui interrompido ao 5º quadril por dois indivíduos que, munidos de uma caixa de fósforos da Boite “Princesa da Planície”, ameaçaram cremar-me caso eu me recusasse a entrar para a bagageira da Aixam Piaggio deles, ali mesmo em frente da loja de animais domésticos, em cuja montra um hamster atleta corria desenfreadamente na sua roda em vez de estar a ser injectado com uma qualquer bactéria para testes médicos, a fim de ajudar a Humanidade a escapar da extinção. Pela matrícula de Beja e pelo sotaque fiquei desde logo desconfiado que eles não eram franceses.
Quando se dignaram a interromper a sua conversa acerca dos melhores locais para a pesca do achigã, comunicaram-me o porquê daquele sequestro: eram produtores de batata alentejanos e esta situação era uma tomada de posição radical contra o que diziam ser uma das grandes injustiças do mundo. Segundo eles não havia direito de a Sopa de Feijão Verde ter o nome deste legume quando na sua composição só são utilizadas 250 gramas dele enquanto se utilizam 400 gramas de batata, sendo esta apontada como a verdadeira detentora do título da sopa, sendo vitima de uma cabala perpetrada pelo “lobby” das verduras, que não lhe permite fazer uso do privilégio com a justificação de que a batata é um legume castanho ou avermelhado. Maior injustiça só mesmo a Estátua da Liberdade estar há mais de 100 anos presa em Manhattan sem poder dali sair.
Compreendi a sua luta e solidarizei-me com ela, mas como não consumidor de sopa eu era inútil para eles. De que lhes serviria um acérrimo fã de lombo Mirandês e bifanas em vinha d’alho quando se tratava de uma sopa vegetariana? Infelizmente, não seria este pormenor a desbloquear a situação.
Sem perder mais tempo, os raptores lançaram o pedido de resgate exigindo que fosse editado em Diário da Republica a proibição de utilização da expressão “sopa de feijão verde”, bem como ordenada a apreensão de todos os menus onde esta constasse. Foi também pedido que fosse deixado um saco com 2 maços de tabaco L&M na soleira da porta do esconderijo secreto deles juntamente com um garrafão de 5 litros de gasolina sem chumbo 95, porque já tinham o transporte na reserva e tinham-se esquecido de parar para reabastecer.
Felizmente a televisão do nosso alojamento não tinha permissão de acesso ao sinal da Sportv, o que em dia de jogo do Benfica se revelou decisivo para o abandono da reivindicação e consequente libertação da minha pessoa.

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