quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A Neve

Eu bem pigarreei, estrebuchei e em última instância algemei-me ao bonsai que a minha mais que tudo tem na cómoda ao lado da televisão, ameaçando imolar-me, qual mártir palestiniano sem autocarro, mas nada a demoveu, estávamos de partida para 2 dias de férias no imenso frigorifico descampado da Beira Alta, onde o Viriato fazia a cabeça em àgua aos Romanos, tal como o Emplastro faz aos repórteres, e logo naquele fim de semana que eu tinha pensado passar a comer amendoins no sofá enquanto via o Campeonato do Mundo de Malha na Lage 2008.
Após o carregamento partimos altas horas da madrugada rumo à bola de nívea continental no nosso Renault 5, creme de la creme de todas as concentrações de tunning realizadas no território compreendido entre o Arade e o Gilão, rebaixado, jantes em policarbonato de composto de sódio, saias Bershka, aleron Airbus 747, naperon em bordado de Castelo Branco na chapeleira e a cereja no topo do bolo, um saco plástico cheio de decibéis áudio visuais devastadores que exalavam do aparelho sonoro da viatura, tal como pôde comprovar um casal de estudantes de Medicina Bio Degradavel que se aproximaram do meu machibombo ao mesmo tempo que Sting sussurrava a plenos pulmões “Roxanne” em falsete e dó menor, o que lhes valeu danos irreversiveis no aparelho auditivo, ao rapaz e um penteado meio caminho entre a Marge Simpson e a Whoopi Goldberg à rapariga. Para completar o cenário idílico só mesmo as asinhas de frango que a minha Maria fez para a viagem que acrescentou mais um tunning à viatura, óleo vegetal esparramado no volante, o que transmitiu toda uma sensação de insegurança à viagem.
À chegada a primeira tosse do veiculo, o primeiro engasgar e o que parecia uma pequena inadaptação ao clima não era mais que uma inflamação nos pistões, que o enviou para a mesa de operações durante 3 meses, e que teve consequências nefastas nas minhas rótulas e tendões, devido aos longos quilómetros que tive que palmilhar, de café em café em busca da sagrada mini Sagres durante os meses de baixa do meu fiel companheiro.
No que respeita ao deslizamento no manto branco montado em 2 tábuas a coisa correu bem enquanto mantive a cabeça no ar e os pés no chão. O pior foi quando as posições se inverteram e eu descobri a inadequação do vestuário que utilizava, o habitual para quando faço exercício à chuva, ténis, fato treino e fato de oleado. Optando pelo plano B instalei o nalguedo num saco plástico assente no nevado, na esperança que a maior proximidade com o chão diminuísse o atrito com a lei da gravidade, ideia que tirei da cabeça após os primeiros metros percorridos, durante os quais perdi o controlo do tobogã dos pobres, deslizando temerariamente por entre esquiadores de 1 e 2 tábuas em direcção ao granito impávido e sereno do rochedo local, onde, como consequência do choque, deixei 2 dentes, sangue e todo o meu orgulho.
A viagem de regresso, qual excursão a Fátima, foi feito num dos 55 lugares do Expresso Braga/Faro, com um saco de gelo na beiça e uma septuagenária à ilharga, orgulhosa do seu mais velho, arrumador de autocarros no terminal rodoviário de Loulé, sendo das poucas pessoas que sabem onde pára o autocarro das 18h30 para o Ameixial, que contudo se encontrava preso na cadeia de Faro por se ter pronunciado negativamente acerca do sabor dos Dom Rodrigos, o que foi considerado uma ofensa à população Algarvia.

Sem comentários: